terça-feira, 8 de maio de 2007

"ANTENOR EM RIMAS"

Dados para Catalogação na Publicação (CIP) Internacional
e Câmara Boliviana do Livro:

Gonsalves, F. Antenor, l958.
Antenor Em Rimas / F. Antenor Gonsalves. Bolívia.
Bolívia – 2004.

1 – Poesia latino-americana I. Título.

Índice para catálogo sistemático:
1 – Poesia. Século XXI. Literatura latino-americana.
2 – Século XXI. Poesia. Literatura latino-americana.

Todos os direitos reservados de acordo com
legislação em vigência.

Revisão, diagramação, editoração, paginação, digitação, capa:
F. Antenor Gonsalves.

Impreso y hecho en Bolivia.

ISKRA
EDITORA E DISTRIBUIDORA
POEMAS

“ANTENOR EM RIMAS”

F. ANTENOR GONSALVES

UM POEMA POR PREFÁCIO

“ANTENOR EM RIMAS

O sol se pôs de vez
e ainda o vejo
resplandecer no horizonte:
é a magia da luz
que diante de meus olhos permanece

como o amigo
que há tanto tempo partiu,
mas não levou o som de sua voz:
os meus ouvidos a têm bem próxima
a falar-me em poesia...

Amigo do mundo
- em duplo sentido:
que a todos se dá;
sem ser de ninguém,
mas do mundo.

Escultor das palavras,
escudeiro da liberdade...
Um homem com todas as letras!
Exemplo de ser humano,
que de si
tudo dá a quem precisa.

Tanto luta por justiça
que injustiçado é.
Mas por quê?

Será que Antenor
tem que rimar com dor?
É certo que não!

Antenor,
só pode rimar
com amor...

Ou em versos livres
até mesmo com poesia
rimaria.

E humanidade,
Liberdade;
beleza,
grandeza;
E amigo
Querido...

Ah! Antenor,
não te perturbes
com esses pífios
que te injustiçam,
enjaulam e bradam!
Eles não têm ouvidos
para a verdade,
nem ouvem
ou sequer vêem estrelas.

Cuiabá, 23 de maio de 1994,”
DEIZI...

CONFISSÕES PRELIMINARES

Confesso que eu esperava uma Dulce
(e por que não uma das Graças?).
Nem precisaria ser lá tão Angélica;
mas por que não um pouco Cândida?
E por que eu não mereceria uma Vitória?
Ao menos uma da Glória...
Talvez, dos Prazeres a mim bastaria,
ou pelo menos uma da Guia.
E nem me importaria se fosse ou não Patrícia...
Mas sequer fui capaz de conquistar a primaVera!
E só me vieram as das Dores:
de todas las Dolores!!!!!!!!!!!!!
10

ETERNIDADE

Atroz, triste e infindável é um minuto:
– Um... dois... três... quatro... cinco...
sessenta segundos sem ti!!!!!!!!!!!!!!!
11

FEITOS PARA SER VIVIDOS

Meus poemas são para não ser lidos:
são para ser exilados, reprimidos, banidos,
abafados, condenados, delatados, perseguidos,
(talvez sussurrados aos ouvidos)
referenciados pelos revoltados e desvalidos...

Meus poemas são para não ser lidos:
são para ser censurados, queimados,
rasgados em praça pública,
decretados como “vergonha da república”...
São para perturbar a ordem estabelecida...
são o viés da vida.

Meus poemas são para não ser lidos...
não são para ser louvados nem consumidos.
Não são para os salões...
são sussurros incontidos nos porões;
são dos injustiçados esperneios e gemidos;
são as gorjetas das prostitutas...
meus poemas são porta-vozes da ralé inculta.
12

Meus poemas são a negação do medo,
a explosão da indignação e da revolta;
são a subtil canção do degredo
de um exílio sem volta...
são ecos aos párias e deserdados,
são o testemunho dos injustamente condenados,
são a crônica diária dos becos e das praças...
meus poemas são moleques vomitando pirraças.
Meus poemas são para não ser lidos:
são sujos, miseráveis, subversivos,
abandonados, abomináveis, órfãos, nocivos...
meus poemas são para ser vividos.
E se mais quiserem, revividos.
13

QUERO MEUS VERSOS...

Quero meus versos com vida:
pulsando, latejando
urrando, esturrando, bramindo
rangendo dentes
cerrando punhos
empunhando bandeiras
no front – na linha de frente –
e se morrer, morrer feito gente.

Quero meus versos gestados:
fruto do ato carnal
masturbação mental
gozo intelectual
embrionários...
Depois, legiões fetais
dando pontapés nas paredes cerebrais
levando-me ao apogeu dos prazeres carnais.

Quero meus versos paridos:
intraplacentários
com cólicas, dores, líquido amniótico
cordão umbilical instantaneamente rompido
(pós-parto!)
com sangria de fato
com hemorragia e tudo...
Depois, o choro de recém-nascido
quebrando o abismo mudo
dos frios corações.
14

Quero meus versos sofridos:
torturados em pau-de-arara
quebrando a cara
dosando concreto
sem emprego certo
na fila da Previdência
desafiando a ciência:
– É câncer! É tísica... é neurose...
– É edema pulmonar!
– Afinal, que doença é, doutor?
– Sei lá!!!... sei lá!!!...
– É fome, doutor! É fome! Vejam vocês:
mais um cadáver pra vala comum.
Mais um!... mais um!... mais um...

Quero meus versos lutando:
com sílabas calejadas
com rimas suadas
em estrofes rasgadas...
Mesmo com pés quebrados
rimando pão com chão
contrapondo sim ao não
escalando os escalados escalões oficiais
como se andaimes fossem
de uma velha construção em ruínas,
mas com os pés no chão e o olhar nas esquinas.
15

Quero meus versos com vida:
GESTADOS
PARIDOS
SOFRIDOS
LUTANDO
vivendo como qualquer outro operário
nas portas das fábricas
nos bancos das praças
nos seios de Maria
(principalmente se for da Graças!)
no morro, na favela
no campo, nas coxas dela
quero meus versos com vida!

Vilhena, RO., 19 de julho de 1986.

Este poema ganhou alguns concursos literários e foi publicado em uma antologia poética, editada pela Universidade Federal da Paraíba...
16

VERSOS E ALFORRIA

Proclamarei meus versos
como quem declama um parto
na solidão de um quarto
farto da “solidão de pessoas em volta”...
e proclamados meus versos
como quem declamou um aborto
no êxtase de contemplar o filho “nascido morto”
antes do nascer do novo dia...
profanarei a própria vida
prostitutamente ambígua e vulgar
(messalina milenar)
porém, não renunciarei à minha poesia
inseparável (única!) companhia
na dor e no prazer,
na tristeza e na alegria...

Proclamarei meus versos
como quem declama um coito
entre murmúrios da mulher amada.
E, quanto mais insaciável,
mais atrevido e afoito
anunciarei meus versos
como o amante ensandecido de prazer
anuncia o gozo incontido...
e, ainda mais insaciável e atrevido,
decretarei meus versos
como quem compõe uma carta de alforria
na imundície dos porões,
na balbúrdia da agitada praça pública,
na solidão mórbida do meu quarto
ou no ouvido da mulher amada.
17

Proclamarei meus versos
como quem berra um gozo,
como quem anuncia um prazer.
Anunciarei meus versos
como quem berra um protesto,
como quem assume um dever.
Proclamarei meus versos
como quem sussurra um segredo,
como quem regressa do degredo...
Proclamarei meus versos
como quem forja a coragem do próprio medo...
Proclamarei meus versos
como se fosse possível decretar o sonho,
como quem ganha a guerra que estava perdida...
Proclamarei meus versos
como quem resgata a própria vida.

Para
Eliane
e todos que forjam a coragem do próprio medo.
18

O QUADRO QUE NUNCA PINTEI
É O POEMA QUE ORA FAÇO
SEM RÉGUA E SEM COMPASSO
SEM FORMA, SEM NORMA E SEM LEI

A partenogênese humana
na mais inusitada aberração biológica
na negação de toda lógica
num lapso único da genética
na ruptura de toda estética
na forma mais relapsa e profana
de se dar e se reproduzir...
sem vício e sem compromisso.

A denúncia viva da incompetência do macho
na partenogênese humana que pintarei
na aberração criativa da genética
na dubialidade da fêmea genial e patética
no único lapso biológico
no desrespeito aos limites do fictício ou lógico
na sublimação ou profanação do reproduzir-se
na profanação ou sublimação do parir-se...
19

Quero pintar uma fêmea-mulher parindo
parindo a si mesma – reproduzindo a si mesma –
e já que não a posso criar
pintá-la-ei ao meu gosto
sem padrões e sem medida
dona de si e da própria vida
dona de suas coxas, de sua cabeça, do seu rosto
dona do seu sexo, do seu ventre, do seu abdômen
dona da liberdade de se reproduzir...
e não uma mulher-livre, do homem,
mas sim uma mulher livre do bicho-homem.
Pintarei, enfim, uma fêmea-mulher
que seja dona do meu pincel
que seja dona de si e do seu próprio nariz
que seja dona da magia de ser feliz.

Para todas as mulheres que lutam
pela liberdade – delas e dos homens.
20

IDÉIAS
OU
SOLIDARIEDADE NÃO POLACA

Indagou-me solidário o poeta em seu poemão
(que me mandou mais constrangido e solidário!)
e me trouxe o pintor-artista-seu-meu-irmão Torrez
e Tomaz no pátio do cárcere
ou no sangue rubro do esquerdo coração
indagou-me o poeta solidário:
“Amigo, esta é a América Latina
ou a latrina das Américas?”.

E mais incisivo ainda
(talvez mais constringido do que constrangido)
indagou-me ainda o solidário poeta:
“Por que não gritamos nem esmurramos antes,
bem antes dos invertebrados chegarem?”.
Com certeza, poeta, tem faltado poesia
e tem sobrado sangue e temor,
portanto não travamos a definitiva batalha
e quem perde com isso é o amor.
21

Indignados ainda – e ainda mais indignados! –
(porque a revolta não é um ato íntimo
e nem deve ser reprimida!)
me indagaram os artistas:
“Que grande cárcere é este?”
e eu indago a vocês, irmãos: sob que ponto de vista?
Pois não está preso o homem
quando suas idéias estão disseminadas em toda parte
assim como não aprisionarão o artista
quando é livre a sua arte!

Não há por que, agora,
ficarmos consternados, AMIGOS!
Indignados e revoltados devemos sempre ser
com os massacres aos bichos e “bichas”;
aos etíopes, angolanos, latino-americanos, somalis,
pivetes, favelados, camponeses massacrados,
operários explorados, garis...
e outros mais considerados sub-raças
e às meninas de rua também...
perseguidos como indefensas caças.

E pelo desfecho do teu poema:
“É inocente o que acredita;
É ignorante o que não ignora.”
meu irmão, eu te digo agora:
EU IGNORO ESTAS GRADES
E CREIO NA REVOLUÇÃO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
22

QUASE VENCIDO

A vida ainda não entendi bem o que seja:
se uma prostituta que graceja
se uma criança marginalizada
se uma mãe que mendiga
se uma velha desamparada
ou se a traição da melhor amiga...

A vida ainda não entendo bem o que seja:
se a mão ambígua que acaricia e apedreja
se uma afiada faca de dois gumes
se duas estradas opostas ou paralelas
se a contenda infindável das loas e dos queixumes
ou se a luta eterna entre a virtude e as mazelas.

A vida talvez não entenderei nunca o que seja:
se a infelicidade que jorra e a felicidade que goteja
se a incerteza que atormenta e devora
se o mal que sempre vence
se a única certeza – a morte – essa infalível senhora
ou se este simples existir, que nunca convence.

Nortelândia, MT., 06 de junho de 1992.
23

HIROSHIMAFRI
(G E N O C Í D I O !)

Ruanda
Quibumba – dois mil mortos por dia –
é a fome que não mais é precedida
nem pela agonia.

Ruanda
Quibumba – bumba! –
rebumba
que Ruanda
anda
para aonde não ia.

Quibumba!
Ruanda
desanda a África mea
útero humano
e o resto do mundo
não passa de resto
parindo cadáveres
fazendo da África vala comum.
24

Ruanda
Quibumba
tumba do egoísmo humano
insano mundo da ganância
que manda e desmanda
dois mil mortos de fome por dia.
Trezentos mil refugiados... condenados...
Útero da raça humana
África hoje é sepulcro para a liberdade
dignidade!
– estão sepultando a vergonha...
barganha e tripudia
o resto do mundo – resto! –
sobre a África em agonia.

Ruanda...
Somos todos cúmplices da miséria!
Ruanda – Quibumba!
mas que seja a África a tumba
para nosso egoísmo e hipocrisia.

Ruanda
Quibumba – tumba! –
rebumba
que Ruanda
anda
para aonde não queria.

Ruanda
Quibumba – dois mil mortos por dia! –
é a morte que não mais é precedida
nem pela agonia.
25

Estatística fria.

06 de agosto de 1994,
06 de agosto de 1945...

In memoriam de todas as vítimas
da ganância e do egoísmo.
26

POR QUE NÃO VENCEMOS AINDA?

O que tenho para responder à jovem que,
já desesperançada, me indaga:
“Por que nossa ‘justiça’ é tão injusta?”

O que devo dizer à jovem que pondera:
“Muitas vezes chego a pensar que nosso país
não tem mais jeito
mas mudar dele seria a solução?
Também ficar nele assim, cheio de injustiças,
não dá não!!
O que me faz ainda ter uma sobra de esperança
é que afinal somos POVO, inclusive a maioria;
e a maioria sempre não vence?
E por que não vencemos ainda?”?

O que devo responder para esta jovem que,
apesar de tão jovem, já não tem esperança
em seu país?
Em que fonte hei de suprir minhas esperanças
se a própria juventude já se desespera?!

Devo suprir minhas esperanças
no desespero dessa juventude?

De longe – de muito longe –
porém sempre presente
a poetisa (também musa permanente) me diz:
“Às vezes, perco um pouco a esperança
em relação ao meu país
me dá um baixo astral
e uma certeza de que nada vai mudar, mas...
Precisamos acreditar para nos mantermos vivos.”
27
“...Tento passar uma convicção que talvez
nem eu tenha mais,
mas é preciso ao menos tentar uma mudança.
Você viu o Mandela?”

Que tenho eu a vos dizer?!

Tentemos
(mesmo que seja como um ato de desespero)
mas tentemos uma mudança
de modo que não resgatemos apenas a esperança
mas a certeza;
e não só a verdade
mas também a dignidade.

VOCÊS VIRAM O MANDELA?!?!?!?!?!?!?!?!?!

Pois quem viu que nunca esqueça.
E quem esquecer
que esqueça também a vida!

VOCÊS VIRAM O MANDELA?!?!?!?!?!?!?
28

O HOMEM E OS VERMES

Verdade é que, por várias vezes,
tentaram me assassinar...
– Bem feito! (dizem os inimigos ufanosos)
quem te mandou defender o direito à vida?
Verdade é que, por várias vezes,
cercearam a minha liberdade...
– Bem feito! (dizem sadicamente os algozes)
quem te mandou propagar que
ser livre é tudo, principalmente ser livre para tudo?!
Quem te mandou crer em Victor Hugo:
“O pior uso que se pode fazer da liberdade é abdicar dela.”?!
Verdade é que, por várias vezes,
me têm discriminado...
– Bem feito! (dizem satisfeitos os medíocres)
quem te mandou defender a igualdade?!
Verdade é que, por várias vezes,
me negaram os mais elementares direitos...
– Bem feito! Bem feito!
Quem te mandou ser direito?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?

Mas...
29

O que pode o inocente dizer ao seu algoz?
O que pode o admirador de Gandhi
dizer ao sanguinário desumano, violento,
déspota, brutal e cruel?!
O que pode o discípulo de Marx dizer
ao egoísta e mesquinho
que subjuga o humanismo e o altruísmo
aos seus interesses pessoais?
O que pode o poeta dizer ao juiz
cego e frio incapaz de ver sua
própria ignorância e ouvir estrelas?
O que pode o libertário dizer
aos carcereiros e carrascos?
O que pode o justo dizer
ao magistrado tirano?
O que pode o pacifista dizer
ao juiz que violenta os direitos dos direitos?!
O que pode o homem dizer aos vermes
que o tentam corroer lentamente?!
30

AFRI: ÁFRICA OUTRA VEZ!

Ai, África minha!
Mais do que de ninguém – minha! –
mais do que de ninguém eu sou teu.
Ai, África minha!
Berço dos meus ancestrais!
comunidades aldeiais
ritmando ao som dos tambores
seus cantos de guerra em africânder
ou oitocentas línguas tribais.

Ai, África minha!
Falarei todas tuas línguas,
absorverei tua cultura,
misturar-me-ei nessa etnia infinda
de bantos, sudaneses, achantis, bosquímanos...
Serei o transeunte repatriado
em Kalahari, Angola, Moçambique; no Zimbabué,
no Sudão, Chade, Tanzânia, Botsuana, no Quênia,
em Burkina, Nigéria, Mali, Mauritânia, Congo...
Ajudar-te-ei expulsar os novos romanos
desde a Tunísia.
Na Etiópia, sepultaremos de vez a Abissínia.
31

Ai, África minha!
Gênese-mater minha – mater mea.
Gitano eu – beduínos todos nômades nós.
Porque da Serra Leoa ou dos Seios de Sabá
contemplaremos o Nilo,
o Congo, o Níger e o Zambeze
com suas cataratas vitorianas.
Reacenderemos o sol com o fogo do teu povo
e, na dureza do teu marfim
e indomabilidade do Saara,
te faremos eterna como os diamantes do Zaire
na singularidade de tua gente.

Ai, África minha!
Profanaremos tudo que for “sagrado”
desde o Egito até a África do Sul:
os faraós com suas tumbas e o apartheid
serão lixo histórico indesejáveis.
Os gordos baobás e sua fauna de gigante
contrastando as monótonas savanas
contemplados desde o Kilimanjaro
até o Monte Quênia
onde beduínos, tuaregues, pirâmides,
camelos, tarzan...
serão apenas a visão ocidental
e o símbolo da exploração...
e navios negreiros jamais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
32

PRETERIÇÕES POÉTICAS

Se eu falasse em Pablo
em Pablo tão-somente
saberia de quem falo essa gente?

Com certeza que não
pois não há cultura para indigente.

Pensariam talvez em algum escobar
venerado por míseros favelados.
Pensariam talvez em algum filho abastado
de Baptista ou de Somoza,
de Anita ou Estensoro.

Se eu falasse em Pablo
em Pablo e mais nada
saberia de quem falo essa plebe explorada?

Certamente que não
pois não há poesia para quem não tem pão.
33

Se eu falasse em Pablo
e Neruda talvez
saberia de quem falo vocês?

Se eu falasse em Pablo
e Neruda chileno, latino-americano
universal como a esperança e a arte
saberiam a grandeza destarte
compreender os que ele defendeu com a vida?

Certamente que não – não compreenderiam! –,
o poeta estava além do seu tempo
e aquém da poesia está o povo
arraigado no velho
e inacessível ao novo.

Se eu falasse em Pablo
e Neruda poeta revolucionário do CANTO GERAL
Nobel da literatura tantas vezes protelado,
canto, voz e glória do proletariado,
nem saberiam sequer os filhos deste de quem falo!...

(Vigésimo aniversário da morte (?)
do poeta maior).

À FRENTE PATRIÓTICA
MANOEL RODRIGUEZ – P C do Chile.
34

AS PASSAS...

As passas!...
Ah! as passas me excitam!
sempre me fascinaram assim:
dão sua carne para aplacar os famintos
depois que deram o seu sangue
para embriagar a mim.

As passas!!...
Ah!! as passas me encantam!!
Exercem um fascínio sobre mim:
deram todo sangue para embriagar os amantes
e agora dão toda sua carne
para saciar a minha fome...

As passas!!!...
Ah!!! as passas me alucinam!!!
Porque foram esmagadas são mais úteis:
dão alimento e vinho
como se dessem carne e sangue
para saciar a mim.
35

GENTE

A voz que se levanta
em defesa da liberdade,
da Justiça e da Igualdade
é a voz que não pode reter na garganta
quem é GENTE de verdade!
36

QUANDO FORMOS HUMANOS

Banir o medo é:
molhar o fogo
queimar a água
reacender o sol
subverter a ordem
descumprir as normas
revogar as leis
recriar a vida
(quantas vezes preciso for!)
e não morrer pela vida
muito menos morrer de amor
reinventar as formas
escarnecer do riso
rir da dor
implodir a bomba
reintegrar o átomo
exibir as rugas
varrer a calçada
(e se preciso, a rua
e se ainda preciso, o mundo)
reciclar a lágrima
ignorar as fronteiras
lembrar Hiroshima
respirar o gás
dispensar o propranolol
morar no Nepal
fugir do hospital
desentortar o anzol
remendar a roupa
protestar até a voz ficar rouca
reaproveitar o próprio homem
37

desacelerar o carro
não aprender a perder
não abrir o envelope
não matar a sede
não saciar a fome
não mentir quando mentir
É, e daí?!
38

ARAUCANA

“Antes dos brancos chegarem aqui, cada nação indígena tinha um nome; cada povo falava a sua língua; cada povo vivia conforme seu costume; a terra não era de um só dono: a terra era de toda comunidade.”
Desabafo Txucarramãe.

Teus adornos artesanais, teus cantos e encantos
mil contos tradicionais que contam
a história milenar de tu pueblo;
ciência pré-colombiana no Cone Sul,
canto mavioso do uirapuru
ecoando nos platôs andinos chilenos.
Cabelos longos, lisos, negros;
dentes reluzentemente brancos
de tão perfeitos parecem postiços
ouriços entre lábios morenos.

O que se pode fazer quando a beleza nos estarrece?
A aborígene, nativa, viva
sua roupa tece
e seu corpo descrevendo um perfeito esse
vibra, pulula, lateja, almeja
metamorfosear-se em um monumento de bronze
do bronze que já é.
E como um monumento vivo à beleza
a ARAUCANA impávida do seu povo realeza
simplesmente é gente que me encanta.
39

TAEDIUM VITAE

Facas de dois gumes se deliciam pela carne a dentro
e adentrada a carne se delicia na volúpia do prazer.

Há, por acaso, e se há, onde está a diferença entre
carnes, facas, navalhas, punhais, genitálias,
mãos, rosas, tergos, martelos, pregos?...

Dor, prazer, lágrima, suor, progesterona,
sangue na calcinha
na periodicidade anunciante do teu filho
que não fecundou.
A prostaglandina, a contração uterina, o óvulo,
o ovo, o último aborto – o teu grande sonho morto –
(e morta estás para sobreviver o sonho),
mesmo estando morto o rebento e morta
te eternizaste naquele ímpar momento
quando os vermes provaram que
não são mais que vermes.

Sublimar a dor ou o prazer?
Viver para a morte ou morrer pela vida?
Lutar toda vida ou lutar até a morte?
O que não se aprende em toda vida
respondeste com tua morte prematura.
E os disparos, os sonhos, os risos, a ternura,
o saber, a sabedoria, a genialidade, a loucura,
a tristeza, a alegria, a brutalidade, a poesia,
os vermes, vinte e um tiros rendando a carne
acaso fazem alguma diferença sem ti?!
40

Mãos, marcas, fronteiras, ruas, lares, bares,
cicatrizes, amantes casuais, parceiras saciadas
e felizes,
metais – nobres e vis –
as preciosas pedras – tropeços no nosso caminho –
canoa furada – tábua de salvação –
tábua de salvação – canoa furada,
remo, rumo, espinho, espada, esperança singrada,
eternas noites veladas, varal de roupas roubadas,
Guajará em casa alugada,
lima, Tata Batata, limão
(não se come tamarindo do chão!)
que importa a diferença (se é que há)
entre castigo e perdão?

(Os tamarindos do chão são para os incapazes; os fortes, buscam os dos galhos mais altos, do topo, que são os mais deliciosos e sadios).
41

FAZEDORES DE HISTÓRIA

Vem do cais do porto dos estivadores,
dos rústicos homens do Porto de Santos
dos trabalhadores
do cais, do Porto, de Santos dos Trabalhadores
do cais
músculos, suor – já houve sangue também no cais –
dos trabalhadores cruzando os braços
também já houve nas greves do porto
repressão, perseguições, porradas, bombas,
gás lacrimogêneo, granadas...

Agora,
se misturam frágeis corpos femininos delicados
suaves mãos, faces ternas de mulheres no cais
aos estivadores rústico, corpulentos mãos calosas
porém, trabalhadores todos amáveis e ternos,
e agora quatro jovens delicadas e ternas rompem
o tradicional (o secularmente convencional):
“mulheres não trabalham no cais”
(não trabalhavam!)
mas mais uma vez a lição vem dos trabalhadores
e se não for aprendida agora não será nunca mais!!!!
42

Vem do cais do Porto de Santos,
dos trabalhadores a lição de que mulher
trabalhadora também é gente
no cais, no porto, na Paulista, na Avenue Foch,
na Wall Street, em Xangai, no Xingu...
Vem dos músculos exaustos e do suor amargado
dos estivadores do cais do Porto de Santos
a lição de que toda história é feita por
TRABALHADORES
e os que assinam embaixo são apenas os
oportunistas da história.
43

CARROSSÉIS E VENDAVAIS

Viagens de vendavais
dons quixotes galopantes
noites de bacanais
eternizadas pelas amantes;
esperanças em espirais
sugerindo trens passantes
deixando sempre para trás
tudo que chegou antes.

Vendavais de esperanças
galopantes e doidivanas;
pares em lúgubres danças
nuestras inquietações gitanas
pondo-nos em andanças
como eternas caravanas
de beduínos em festanças
à busca de suas cabanas.

Carrosséis desgovernados
trens fora dos trilhos
amantes mal amados
pais renegados pelos filhos
do bonde dos malfadados
com pontapés nos fundilhos:
somos todos passageiros condenados
a mirar e puxar os gatilhos.
44

VÍCIO GRAMATICAL

Versejei a vida
em vinte vorazes versos
vis, vadios, vãos...
Vão, vêm, vomitam viciados em vinho
velhos valores vicialógicos.
Vagas vozes vadeiam ao vento veloz
como a vida que voa:
vilania, valentia, vulgaridade;
vermes, vícios, veias, vasos...
vendilhões venderam a verdade
por valores venais – vulgares porém.
Vendavais que vão e vêm;
vulcânicas verdades vagueiam voluptuosamente.
Violentas – porém vulneráveis –
vacas-vítimas se vendem e vaticinam
a vinda de velhos valores vitais.
Versejei a virtude em versos vis, vadios, vãos...
e em vão versejei todos os valores
vindos com a vida que voa
e quase vencido vejo que em vão vivo
vazio de você.

Para
Soninha...

“Depois que te foste
sou como um cais vazio.”
J. G. de Araújo Jorge
45

NON PLUS ULTRA

Apontem-me o caminho
mostrem-me o caminho
indiquem-me o caminho
abram-me o caminho
mas o caminho da volta
e só se for o caminho da volta.

Não quero esse lodaçal
não quero essa imundície
não quero esse terrível nada
essa podridão que se estende ante mim...

Mostrem-me o caminho
e só se for o caminho da volta
(que também pode ser o da revolta)
e eu voltarei para a selva
e como os demais primatas
treparei em árvores
e do topo da árvore mais alta
olharei indignado
a imundície dos homens...
Porém, aliviado.
46

PROFISSÃO DE FÉ

Eles crêem em um deus ubíquo
(onipresente)
e dizem:
“Deus está em toda parte”.
Porém, olham para um lado e outro
e como não vêem ninguém
roubam o seu semelhante.

Y:

EL HOMBRE

¿Mí nombre?
No hay nombre,
hay HOMBRE.
47

ODE À LIBERDADE

Invés do quarto, a cela 04!
(dois por três metros a que se resume
o meu universo físico de 18 metros cúbicos
ainda compartilhados com mais oito “excluídos”)...
a cama – um caixote de concreto de 1,80m
de comprimento por 0,75m de largura
e 0,65m de altura –
concretiza a idéia de morte em vida
(sepultado vivo);
a janela tem grades com vergalhões roliços
de uma polegada de diâmetro – em aço! –
presos (aqui tudo parece preso) a cantoneiras
de duas por duas, (de sete oitavos de polegada!)
o que me dá uma visão retangularmente clivada,
fragmentada, do mundo lá fora.

O quarto não é o teu,
a cama não é a nossa,
a janela não é a nossa,
a vida não é a minha!
48

Esta cama não é a nossa, ó! minha amada!
(o nosso leito de prazeres, ó! minha amada predileta!
sempre foi ao ar livre, sem dimensões, sem padrões,
sem fronteiras, sem hora marcada, sem nãos,
sem senões, sem condições, sem pedágios...)
Ó! minha amante predileta! certamente esta cama
não é o nosso leito de prazeres
(até porque não há leito e nem há prazer sem ti,
ó! minha amada predileta a quem, vulgarmente,
chamam LIBERDADE).
Ó! vida da minha vida!
Ó! esperança jamais arrefecida!
Pulsas em mim como o coração em taquicardia
do adolescente apaixonado pela mais deslumbrante
e fértil das fêmeas:
vivo por ti, ó! irmã gêmea da JUSTIÇA!

Não, Liberdade violentada!
Não, Liberdade agredida!
Não, Liberdade sangrada!
Não, Liberdade indomável!
o quarto não é o nosso, a cama não é a nossa,
a janela de onde nós dois contemplamos o mundo
como dois amantes inseparáveis não é a nossa!
Não, ó! amásia inseparável minha!
esta vida não é a nossa!...
Mas certamente serás sempre minha!!!!!!!!!!!!!!!!
49

VERBIS GRATIA
GRATIA DEI

Hay los que hablan:
“Los rincones lo son por la gracia de Dios
y los miserables lo son por
la voluntad de Dios”.

Hay los que hablan:
“¡Pan a los hambrientos!”

Pero, yo los contesto:
Que no tenga ningún miserable
y que no tenga ningún hambriento
a quién darse pan.
50

POEMAÇÃO
OU:
POBRE VIDA – RIMA POBRE

É como se a vida fosse de papelão
como se a veia não fosse a do coração
como se o sim dissesse não
como se a cama fosse o próprio chão
como se o aço fosse o imprescindível pão
como se o amor fosse só ilusão
como se o castigo fosse o perdão
como se o justo fosse o vilão
como se passasse o pé pela mão
é como se a vida fosse uma dúbia missão.
... ... ...

Um par de tênis
uma camisa surrada
uma calça jeans desbotada
uma mochila a tiracolo
o solfejo de uma canção-solo
idéias e esperanças na cuca
às vezes tido como uma figura maluca
“paz e amor” e pé na estrada:
quero crer que a vida seja só isto e mais nada.

Mas aonde foram parar os carinhos
da mulher amada?!?!?!
51

POST MORTEM

Os ianques invadem (também!) o Haiti
e eu indago com pesar:
Ai! e tu, Brasil?
Tua vez quando será? – outra vez 1964...
Quando eles haverão de por as mãos
(também em ti, Brasil!)
qual prostituta tentadora e irresistível?

Por quanto tempo eles resistirão (ainda)
aos encantos e riquezas da Amazônia?!...
O ouro, o diamante, o urânio, o nióbio, a cassiterita,
o tungstênio, a bauxita, a alexandrita...
flora, fauna, turismo barato:
qualidade “primeiro mundo”!
Por quanto tempo eles ainda resistirão à tentação?!
Quando entraremos na lista:
Coréia, Vietnã, República Dominicana,
Baía de Porcos, Granada, Panamá, Iraque,
Somália, Ruanda...
Infindável lista?!?!?!?
52

Mas há apenas o silêncio
de Hiroshima e Nagazaki
o silêncio dos campos de concentração nazistas
há apenas o silêncio dos coniventes e covardes
o silêncio dos incapazes
o silêncio post mortis
dos que ainda não tiveram
seus interesses contrariados.

...19 de setembro de 1994...
Os ianques invadem o Haiti –
também!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
53

ÁGUAS E MÁGOAS

Rio que rápido corre
desde onde nasce
(rio só nasce – nunca morre!)
– todas as águas deságuam no mar!...
rápido e furioso como um povo revolto
leva livre, indomável e solto
grãos, lajedos, folhas, troncos, náufragos...
tudo ao fundo do imenso mar
como indefensos, volúveis e vulneráveis brinquedos.

Rio que rápido corre
desde onde nasce
(pois rio só nasce – nunca morre!)
insensível agrega às suas águas
lágrimas de felicidade e mágoas
indiferentemente, inelutavelmente,
inexoravelmente...
irrepresável enchente
é o rio que sempre corre para o mar!
54

Rio que rápido corre
imponente, grandioso, enorme
(não deveria haver diminutivo para rio
pois todo rio é gigantesco –
gigantemente indomável!);
rio odiável; rio amável...
não importa: segue rebeldemente bravio.
Rio que rápido corre
desde onde nasce
(pois rio só nasce – nunca morre!)
inexoravelmente para o mar
(“as águas só correm pro mar”!)
qualquer rio é enorme e indomável
– como deveria ser o povo!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Rio Branco, 15 de fevereiro de 2000.
55

CONTESTANDO

Para mim, chega de cocaína, sangue e corrupção na tv.

Chega!!!!!!!!!!!

Escrevam-me cartas com boas notícias...

Por exemplo:
“As crianças brincam no pátio,
pois os parques e praças (todos públicos!)
estão sitiados e ocupados
pelos namorados, poetas e sonhadores”...

Quanto a eu ser um gitano
(sem endereço a quem possais remeter vossas cartas)
que importa?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?
– logo, sairei a recolhê-las
como quem colhe frutos e flores temporãos!

Israelândia, 14 de abril de 2003.
56

ONZE DE SETEMBRO
(AS GÊMEAS)

Não sejamos hipócritas! Gostamos...
“entre mortos e desaparecidos”, o saldo foi positivo.
Não sejamos hipócritas!...
Tudo bem! Há os que argumentam
(por hipótese – nada cientificamente provado):
– Mas... e a presença de vítimas inocentes?
Cientificamente
não provada a presença de inocentes,
digamos assim:
é o tal do “custo-benefício”.
Só! E não houve nenhum sacrifício.

Não sejamos hipócritas!
GOSTAMOS!
... e como gostaríamos de ter culhões suficiente,
bastantes,
para fazermos algo ao menos parecido!...
Onze de setembro jamais será esquecido!

Não sejamos hipócritas: gostamos! E daí?!
57

– E algumas “milhares de vidas ceifadas?”
(indagarão alguns).
Ora! Não sejamos hipócritas!
Foi o custo – aliás, baratíssimo! –
de milhões de vidas poupadas nos últimos meses
sem que os porcos genocidas e beligerantes ianques
se deliciassem brincando de guerra
num gigantesco vídeo-game:
pelo menos eles pararam de brincar
de matar inocentes
em outros países – pelo menos,
por alguns meses, é certo,
mas o suficiente para poupar milhões de vidas
(eles sentiram as bombas nas próprias cabeças –
aliás, em suas próprias torres).

Não sejamos hipócritas: GOSTAMOS!
E como gostamos!
Ruíram as “gêmeas”:
imperialismo e prepotência;
capitalismo e exploração;
exploração e miséria; miséria e serviência...

Cá pra nós: mas que gostamos, gostamos!

Jacobina, 11 de setembro de 2002...
Um ano!!!!!!!...
58

MODERNIDADE

Em Brasília as gravatas são modernas
(que bem se diga: moderníssimas!).
Em Quixeramobim crianças morrem de fome!...
(que mal se diga: são devoradas por lombrigas!).
Em Brasília as idéias são demasiado antigas.

Em Brasília as calcinhas são modernas
(que bem se diga: de alta tecnologia!).
Em Quixadá as mulheres morrem de parto!...
(que mal se diga: de subnutrição!).
Em Brasília os homens estão obsoletos.

Em Brasília as coleiras são modernas
(que bem se diga: são um luxo!).
Em Apropiá os homens morrem de paludismo!...
(que mal se diga: de fome mesmo!).
Em Brasília a esperança é demais velhena.

QUE BEM SE DIGA:
EM BRASÍLIA FALTA VERGONHA MESMO!!!!!!!!!!!!!!
59

RETÓRICA

Aos filhos, eu diria:
se há algum devedor, sois vós – vos dei a vida;
fazei dela o que quiserdes.

Aos pais, eu diria:
não vos devo nada; vós é quem me deveis o orgasmo.
Se estou aqui, é porque matei trezentos milhões
para ter o direito à vida.

Iporá, 30 de maio de 2003.
60

SÚPLICA À LUSITANA
OU
SÁTIRA ATEÍSTA

Senhor! cá ‘stou eu, em vossos pés,
a suplicar-vos uma pequena cousa...
Senhor! cá ‘stou eu, em vossos pés,
a suplicar-vos uma pequenina cousa...

Disseram-me que a vida é feita de detalhes, senhor!
Suplico-vos, pois:
poupai-me este detalhe, senhor,
pois que senão,
como hei de continuar a fazer vidas?!?!
61

O ATEU E O “CRENTE”

Tu me dizes que encontraste teu deus
e entretanto tu me mentes; e eu te peço a verdade
e tu me mentes; e eu te peço a verdade
e tu me mentes... e tu me roubas;
e tu me enganas...
entretanto tu me dizes que encontraste teu deus.
E me convidas a segui-lo – que hipócrita! –,
logo tu que me roubas despudoradamente!
Fica tu com ele, pois. Não mo serve:
eu busco apenas a verdade. Não mais!!!...

Israelândia, 10 de fevereiro de 2003,
segunda, 23:15...
62

OS ABUTRES CHEGARAM DEPOIS
(VOX VICTIMAE)

Não venham me dizer que nada disso existia antes
não venham me dizer que os oportunistas não existiam antes
não venham me dizer que os canalhas não existiam antes
que os cretinos não existiam antes
que os gananciosos não existiam antes
que os hipócritas não existiam antes
que os mentirosos não existiam antes
que os corruptos, ladrões e traidores
não existiam antes – bem antes!
Não venham me dizer!...
Eu conheço bem a vós todos:
também já fui vítima de todos vós!
E nada mais tendes a me dizer,
canalhas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!...
63

IMPRENSA

Tornarão públicas nossas desgraças e tragédias
e aumentarão seus lucros
e transformar-nos-ão em estatísticas,
– meras estatísticas que serão esquecidas
graças às novas trágicas estatísticas frias
e sensacionalistas,
de preferência, em “edição extraordinária”.

Tornarão públicas nossas tragédias e dores
(“os nossos triunfos doem aos outros
mais do que seus próprios fracassos”)...
Não anunciarão ao mundo nossas felicidades
e nossos amores.

Não noticiarão ao mundo nossas alegrias.
Abafarão nossas vitórias;
escandalizarão nossos amores;
deturparão – conforme a conveniência e interesses
da “elite” que estiver no poder – nossos ideais.
O povo haverá de crer sempre sem questionamento,
sem análise, sem crítica... sem desconfiança!
Sem ao menos duvidar!...
Que triste: sem ao menos desconfiar de nada!

Aí, anunciarão ao mundo que
“somos um povo pacífico”,
em grande cadeia internacional...
64

DESCULPA, TÁ?

Por todo tempo te busquei grande, gigante, forte,
robusta, enorme, complexa...
mas eis que te encontro pequenina,
tênue, frágil, feminina, singela...

E eu te imaginei assim... como dizer?
Arrogante, inacessível, prepotente...
(Como os que se pressupõem importantes se sentem).
E eis que te sinto assim:
subtil; tão minha; manhosa...

Por todo tempo te pintaram pomposa para mim
e confesso: te busquei assim – pomposa.
Mas eis que agora te encontro tão chã
que vejo que não estavas onde te busquei.

(ODE À F E L I C I D A D E)

Brasília, 03 de maio de 2003,
sábado, 16:40...
65

ÚLTIMA BATALHA
OU
A VITÓRIA FINAL

Amanhã talvez não haverá talvez
e na última batalha perdida
(derrotada pela última vez)
haverá de triunfar a vida.

Amanhã talvez quando não houver mais talvez
e a esperança não estiver doentia
as vítimas da injustiça erguer-se-ão com altivez
contra todas as formas de exploração e tirania.
66

COMODISMO

O leite vendido na porta
pode ser demasiado caro
não importa!

O pão quente vendido na porta
mesmo recheado com barata
não importa:
“é barata morta”!
67

JANETÉTICA

É preciso gozar
a liberdade como se diz
(como se quer, como se quis)
e gerar
(parir, dar vida – educar)
uma outra gente
feliz!
68

ÀS FEMINISTAS

Benditas sois vós, mulheres!
É do vosso ventre que saem os homens.
Porém, não vos olvideis:
é do nosso saco que todas (e todos!) são ejaculados!

(Grande porra – ou grande merda!)...
as questões são de humanidade:
nem machistas nem feministas, caramba!

Cáceres, 06 de dezembro de 2000.
69

PUDICAS

Não sejas hipócrita:
todas gostam!
Exceto a tua mãe e tuas tias
que dormiam de calçolas
e tiveram dez filhos cada!!!!!!...
Inclusive uma... como tu.

Para as que gostam
inventaram anticoncepcionais,
preservativos, contraceptivos,
espermicidas...
70

MENOS UM

Todos podem cantar as flores
e até mesmo os jardins, quintais,
parques e latifúndios!
Eu, porém, devo apenas poetar
e acariciar os espinhos.

Todos podem louvar a riqueza,
o capital, a fortuna, a abundância...
e até mesmo o esperdício e o consumismo.
Eu, porém, devo apenas poetar
sobre os erros da Justiça.
71

CARDIOVASCULHAR

Este coração é mesmo bandido:
hora bate, hora é batido.

Coração! Ah, coração!
Às vezes te confundo com o pulmão.

Bate, coração ingrato!

– Bato... bato... Não bato.

Bolívia, 19 de outubro de 1985.
72

“ENTRE O AMOR DE CRISTO E GUEVARA”

O poeta dos versos subversivos
(livres)
foi um escravo da liberdade
e como poeta na praça
monologou com os homens.

Nos seus últimos dias
(segundo me dizia)
ainda se dividia “entre o amor de Cristo e Guevara.”

O poeta
(é certo)
viu cumprida a missão dos seus versos:
seus versos são barricadas; são hino; são bandeira...
“escritos a piche” na memória brasileira.

Morreu, talvez, para não continuar vendo
crianças e homens brincando de matar;
e a “inútil terra que só tem servido para enterrar seus mortos”
enfim o acolheu.

Para José Guilherme de Araújo Jorge
(J. G. de Araújo Jorge),
quando da sua morte às 14 horas do dia
27 de janeiro de 1987.
73

POEMA FÚNEBRE PARA MACHEL

Moça, Moçambique, moçambicana mocidade,
prematura orfandade
estremecendo dez anos de liberdade,
repetindo outro outubro de fel:
primeiro, foi Guevara; agora, Machel!

Moçambique!...
moçambicana orfandade:
um golpe traiçoeiro na decana liberdade
de um povo de sofrimento milenar!
Porém, Moçambique Livre livre sobreviverá.

Moçambique – Machel:
pátria e povo – unidade em ti!
África toda te chora
nessa tua prematura e trágica partida, Samora.
E eu pergunto como órfão: e agora?!

Moça, Moçambique, moçambicana mocidade...
Trágica orfandade – porém Angola me consola:
sobreviveu sem Agostinho Neto.
(E é que quando Agostinho se foi
foi como se tivesse caído da casa o teto).

Moçambique, berço dos meus ancestrais
pobres africanos carnais
para cá trazidos (e vendidos!) como escravos
(digo: animais!)...
Moçambique
hoje, o meu peito é um dique
por onde correm as lágrimas por ti.
74

Machel – Moçambique
fusão de homem e pátria; de líder e povo.
Samora – moçambicanos
fusão de estadista e espartanos
expulsando colonizadores; rompendo grilhões;
libertando a África – unindo nações!
PORQUE:
Moçambique Livre livre sobreviverá.

Em 19 de outubro de 1986,
dia em que morreu Samora Machel,
em um “acidente aéreo”...
(Ainda se questiona se não foi mais um assassinato
comandado pela famigerada CIA)...
75

ALÉM DAS CERCAS

Irmãos de quintais – todos!
(irmãos e quintais)
unidos, se por enquanto não vencemos a morte,
inexoravelmente venceremos o matador.
Sim!
Imprescindivelmente haverá vencidos e vencedores
para que nunca mais haja explorados e exploradores!
76

VERMÉTICOS

Vinham velhas vacas vadias, viciadas,
velhenas e vulgares, vociferando vis vaticínios
(vulcânicas vontades venais – vulgares porém)
voláteis vão vãos e vis:
VERMES!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Virtudes vomitadas vão vulgarizando velhos valores
volúveis na volúpia de venal vai-e-vem...
Vaticânicas vaidades vilipendiam vulneráveis viventes
vermeticamente valorizando-se nas vilanias:
VERMES!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Vagueiam vozes: vendavais dos vis!
Velhacos vendem virtudes e verdades;
vagabundos vivem vultuosamente...
Vulgarizam vergonha e verdadeiros valores:
VERNES!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Vangloriam-se vilões – vendilhões vaginais!
Vates versejam em versos velhos e vicialógicos
vulgáricas “virtudes”...
(Vim, vi e quase venceram-me!):
VERMES!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Vomitarei venais veemências
(vagas, volumosas, vulgares, vitais, valiosas, vãs, vis...)
vomitá-las-ei sobre vos (“doutores da lei”);
vendedores de veredictos e vidas:
VERMES!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
77

AMARGANA

Missa assim ser rês sem mês ame ema
em me amar rama suem meus
soa aos aires seria era are rime emir
una anu saia aias eles sele
amor roma sopa após somar ramos
morram marrom avô ova ora aro
sovo ovos assam massa sacas sacas
socas sacos sagas sagas sugas sagus
sacram marcas lota atol apraz zarpa
odor rodo rolo olor ama ama
arara arara rala alar aval lava
soma amos agem mega ataca acata
argos sogra sagaz zagas unem menu
somos somos ias sai aérea aérea mamam mamam
muçum muçum airava avaria sacaram maracas
solos solos salta atlas salas salas ante etna
solar ralos reter reter asila alisa aruá aura
osso osso um mu égua auge siri íris ia aí ai.
78

A N T R O P O L Ó G I C A

Antro

Lógica
a lógica fatal, racional, embrionária,
morfológica, fetal...
O pó final, fanal; logicamente inevitável
não domável mas palpável...
O antro do pó e da lógica:
a redução embrionária ou final!
Antro

lógica.

Antro
N
T
R
O

Ó
Lógica
Ó
G
I
C
A

79

EXTREMO DA ANTROPOFAGIA:
1) É tudo que temos para comer;
2) É só o que temos para comer;
3) É só o que temos para comer, mas faz mal;
4) É só o que tenho para comer!...
– diz o último sobrevivente!

Cáceres, 08 de abril de 2000.
80

AVESSO

Leio e releio teus versos pelo avesso;
do fim para o começo,
e até de cabeça para baixo...
e confesso que não me satisfaço.
Mas mesmo sabendo que não os mereço
eu quero mais e mais, e ainda mais.

E releio teus versos e me sinto pelo avesso
posto que meu precário ser te contradiz;
e me sinto um misto de vaidoso e infeliz...
infeliz por não ser o que a ti pareço.

Releio teus versos
– mais uma vez! –
do começo ao fim e do fim ao começo e,
conhecedor dos meus defeitos,
sinto que não os mereço
e que os fizeste para ti mesma e não para mim.

Nortelândia, 12 de outubro de 1990.
81

ESTRANHO PAI

Quem é esse estranho
que eu olho da cabeça aos pés
e não o localizo em minha memória?
E que estranha história terá (teria) ele pra me contar?
Vem esse estranho de que lugar?!

Que estranho é esse que, decanamente,
– quinquenalmente talvez –
assim, estranhamente, reaparece mais uma vez?
Para, novamente (certamente)
sumir em menos de um mês?!?!?!?!?!?

Quem é esse homem estranho
(um gitano errante, suponho)
que agora quer que eu creia... ai!...
ser ele o meu pai??!?!?!?!?!?!?!?!?!?!
E ainda me diz
(o estranho infeliz)
pretensioso e arrogante
– como nunca vi antes! –
esperando que eu lhe creia:
“Eu te amo muito... Acredita nisto”...
Estranho igual a esse
creio que ninguém já tenha visto!

Que estranho é esse que, não sendo frágil,
me falou com a voz trêmula?
Que, parecendo insensível,
tinha olhos lânguidos e úmidos?!
Que, parecendo embrutecido com as adversidades,
me pediu um beijo e um abraço?!
E não é esse estranho um andróide de coração de aço?!?!?!?!?
82

Eu!!!... cheguei mesmo a enxotá-lo:
Vai... aqui não és bem-vindo.
e ele riu, como se não estivesse me ouvindo.
Então minha cabeça ficou grilada
pois aí eu já não entendia mais nada...
Pensei:
És um estranho errante ou um mendigo de perdão?
Mas pelo sim, pelo não,
por um instinto de autodefesa
antes que da dúvida me fizesse presa
e eu não viesse a amar
um estranho errante e pretensioso
disfarçando uma subtil timidez
fugi dele mais uma vez.

PARA JUSSARA...

Cáceres, 13 de janeiro de 1997.
83

UTOPIA PARA UMA CRIANÇA DE RUA

Comeremos como cães
nos vestiremos como cães
como cães iremos aos melhores consultórios
e freqüentaremos os melhores salões:
de beleza, de reuniões burguesas...
Desfilaremos no colo das madamas,
passearemos de carros...
Emoldurados nas janelas de carros importados
seremos contemplados pelos operários nas ruas
e as crianças seminuas.
Seremos estrelas em filmes e comerciais de tevê.
Passearemos nos shoppings
nos braços de nossas madamas vaidosas
(e orgulhosas de nós).
Nossas madamas gastarão dois bilhões
e oitocentos milhões de dólares
(por ano!)
com enfeites e xampus para nós!
Seremos bem tratados e felizes como cães!

Investir na bolsa não será mais
nossa atividade de trombadinhas
na delinqüencial sobrevivência
suburbanicamente sub-humana. Não!
Investiremos na bolsa
como qualquer cão burguês
ávido de ficar mais rico de uma vez!
84
Ah! receberemos beijinho
bem na ponta do focinho;
receberemos muito amor e carinho
e tudo mais...
(da frente até atrás)
nossas madamas nos darão...
Ah! isso é que é vida de cão!

Daremos inveja aos meninos da Praça da Sé:
– E aí, meu?! Com’é que é?!
– Qual’é?! Qual’é?!
– Olh’aí, meu!...
– É muito filé pra quem nunca comeu...

Cáceres, 07 de novembro de 1997,
(80 anos da Revolução Bolchevique).
85

SER E ESTAR

Sou feliz!
(não sei por que, mas sou feliz!)
– sim! Para ser feliz tem de haver um porquê...
e eu não sei por que –
sei que sou feliz na selva
(entre os outros animais)
sou feliz na cidade
(entre os outros animais – entre os humanos
– entre paredes de concreto,
e até mesmo entre os piores animais da espécie)
eu sou feliz!...
Às vezes não estou feliz
– às vezes e tão-somente às vezes! –
mas sou feliz.
Sou feliz pelos que vivem
pelos que sobrevivem
pelos que morrem pela vida
pelos que lutam pela vida
pelos que vivem a vida...
Sou feliz pelos felizes e infelizes...
Sou feliz na selva – entre animais
sou feliz na cidade – entre paredes de concreto
e entre pessoas medíocres – os piores da espécie
sou feliz até mesmo atrás das grades
entre muros que limitam minha liberdade física...
e nem consigo entender por que sou FELIZ!
e nem consigo entender porque sou FELIZ!
86

TRIBUTO A CHICO DE LILI

Se eu falar de um homem
saído das praias alencarianas
à busca de sobreviver – de vencer, talvez! –,
que ajudou outros homens desvirginar a Amazônia
(loucura ou aventura irrisônia)
– talvez! –
e com outros chicos e zés emprenhou a selva,
fertilizou as chãs brasis,
fez história e filhos sob os céus anis...
Saberíeis dizer de quem falo eu?

Se eu falar de um homem
saído da terra alencariana
(não à busca de dinheiro e fama)
apenas e tão-somente para sobreviver,
alguém de bom proceder
haveria de contestar
que esse homem vindo das bandas do Ceará
é um monumento vivo à dignidade?!
– Liberdade! Liberdade! –
Um monumento vivo à luta,
à atitude resoluta
de quem não quis muito:
apenas ser GENTE!
87

E logo na porta da frente
Chico, sob o frechal da porta,
(sem resignação e sem revolta)
com sua boroca de lado
ignorando futuro, presente e passado
faz sua barba a seco
(qual idiota disse – numa crise de idiotice –
que lugar de barbear é no banheiro,
com água-de-cheiro, em uma pia?!).
– Arre égua! Ave Maria!!!

Chico é um monumento vivo à liberdade
(dignidade!).
Ereto – quase em posição de sentido –,
fazendo a barba sob o frechal da porta da frente
Chico é monumento
Chico é exemplo
Chico é gente...
Chico é o que ainda resta de bom do Brasil
(quiçá da humanidade!)
“Liberdade, Liberdade,
abre as asas sobre nós”.

Guajará Mirim, RO., 17 de janeiro de 1998.
88

CONTRAPONTO AO ATAVISMO

Da mãe, herdou o diabetes;
do pai, a hipertensão.
Dos dois, anemia macrocítica em somatória.
As coisas boas que conquistou?...
lutou, batalhou, muito suou
e até sangrou...
Outras, não conquistou;
porém, não desistiu não.
89

OS CRIADORES...

Vós criais bromélias, orquídeas, jasmins...
Vós outros criais cachorros
(cães, enfim!)...
Vós outros mais criais bem-me-queres;
vós outros criais cavalos, gado...
e pra eles e vós, capim.
Vós criais corrupção e barganha.
Outros mais criam limo na consciência
(os que a têm!),
eu, porém, só consegui criar vergonha
e fé na ciência.
90

CONFLITOS...

Faz-me mal – demasiadamente mal! –
meu lado emocional do poeta:
a miséria, a exploração, a injustiça
(principalmente a social),
a maldade do covarde, a malícia
(a polícia)
porradas em trabalhadores...
o luxo dos opressores...
Tudo isso me deixa pateta.

Eu queria só a parte racional do revolucionário...
A sinfonia só das metralhas
destronando tiranos e canalhas;
criando um mundo humanista, igualitário,
justo – tão justo que prescindiria ser solidário!
91

BELO MONTE...

Meu pai tinha uma fazenda
herdada do meu avô.
Modesta herança (dir-se-ia uma vingança)
que o pai do meu pai deixou.

O canavial...
Os homens cortando cana
(as mulheres se restringiam à cozinha
e à tarefa dos puxa-puxas durante o dia;
à noite, satisfaziam aos maridos
– as casadas, bem casadas! –
as nem tão bem casadas satisfaziam aos vizinhos
e as solteiras satisfaziam aos solteiros
na bagaceira do engenho.
E talvez seja daí que bagaceira
adquiriu a significação léxica de bagunça,
algazarra, desordem, baderna...)
as éguas no cio,
o açude quase vazio,
os meeiros, o gado...
Tudo o que na terra havia
por herança ali se transmitia.

A rapadura quente na gamela
o mel borbulhando no tacho
o jeito imperativo do macho
a meeira mais formosa e bela
com a fazenda meu pai herdou
do meu avô.

Cáceres, 20 de dezembro de 1997.
92

POEMA DA MULHER DE ESCARLATE

Escusado será que todos saibam...
E doravante proclamadas as horas
que renasçam no mundo.

Qualquer noite!...
Quando a cidade dissoluta dormir a Gomorra...
Qualquer noite irei à casa da mulher de escarlate
e, de mansinho, baterei à sua porta.
E, ao ritmo de mensagem nova sussurrada,
ela virá dançando ao meu encontro;
dar-me-á as suas mãos de veludo;
sairemos bailando pela cidade dissoluta adormecida!
Acenaremos aos ex-homens estarrecidos
e seremos um “mural andante”
onde escritos estão os direitos do homem.

E dentro da noite
como aparições fantasmagóricas
os doutores da lei e os homens de cinzento,
estremunhados e de faces lívidas,
atirar-nos-ão pedras de vindita,
e as pedras serão de Pirra e Deucalião,
e com elas alacremente
dançaremos a dança de são Guido
aos doutores da lei e aos homens de cinzento,
estremunhados e de faces lívidas.
93

E, dentro da noite,
“colheremos o choro das crianças humilhadas
e ofendidas;
os soluços abafados dos órfãos da Igualdade
e da Justiça”
e comporemos uma nova
CANÇÃO DE LIBERDADE.

E, no tablado da noite,
à luz mortiça de um luar raquítico,
a mulher de escarlate dançará a dança do sacrifício
para quem nos prolongou a noite e escondeu
(in fólios sebentos e nauseabundos)
as auroras sempre prenunciadas.

E com o sangue do sacrifício
pincelaremos os desejados horizontes imprecisos
e a madrugada se anunciará límpida e festiva
nas longas madeixas orvalhadas
da mulher de escarlate
e nas faces sorridentes
dos ex-homens transfigurados.

E nas faces lívidas e estremunhadas
dos doutores da lei e dos homens de cinzento
esmaecidos como agonizantes pesadelos
na claridade de uma nova paisagem social
de um longo amanhecer de mais um dia...

Para J. B. de Bosambo, que morreu sonhando com a MULHER DE ESCARLATE (A Revolução Vermelha), a claridade de uma nova paisagem social, de um longo amanhecer de mais um dia...
94

O PÁRIA

Eu carecia de uma pátria
e acolheste-me como uma prostituta.
Eu queria a liberdade em teus campos vastos
e “abrigaste-me” em teus imundos porões.
Eu busquei os que deveriam ser meus patrícios
e encontrei corruptos, desonestos, oportunistas,
ególatras, tiranos, déspotas, lacaios,
traidores, ladrões...
(Cadê os homens daqui?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!).
95

Eu queria o afago de uma pátria
– de minha pátria! –
e afagaste-me como uma prostituta ególatra;
como uma prostituta mercenária:
tu não tens filhos,
tens mercenários e despatriados!
E eu queria uma pátria
mas o que és? És um covil
de corruptos, ladrões, traficantes, desonestos...
órfãos funestos
a quem chamam Brasil.

“Renuncio” à pátria que não tenho
(ela é dos desonestos, corruptos, traidores...
menos minha – menos dos meus amores:
não é esta a minha pátria).
Deixo aos abutres toda podridão,
aos carniceiros, deixo meu rubro coração,
mas renuncio à lerda ilusão
de que um dia tive uma pátria.
Sou pária de uma pseudo nação.

Cáceres, 15 de março de 1998,
domingo, 18:30...
96

SEM PÁTRIA E SEM PATRÃO
(NA CONTRAMÃO DA ORDEM SOCIAL)

Não! definitivamente não!! Sextilhões de vezes não!!!
Este Brasil não é a minha pátria:
és um país injusto – prostitutamente injusto –
com os teus filhos descapitalizados;
e és cruel e tirano com os que se revoltam
com as tuas injustiças sociais.

Os turistas dos dólares abundantes (a bundantes)
deitam e rolam sobre ti, e copulam e gozam
com tuas filhas (mulatas, louras,
negras, aborígines...)
sifiliticamente, gonorreicamente, aideticamente;
atavicamente te prostituem e prostitui-te
secularmente, vilmente, brasileiramente!
97

Definitivamente és a pátria dos que pagam mais;
dos que roubam mais, dos que traficam mais...
Não! definitivamente não és a minha pátria.
(Eu sou pior que um pária:
sou uma ameaça à tua “segurança nacional”);
portanto, o país que deveria ser a minha pátria
é um imenso presídio para mim –
aonde quer que eu vá!

Definitivamente não!
Essa cadela vulgar e de cio permanente
não é a minha pátria!
Mas me resta a esperança de que me degredem,
me expulsem, me expilam como um cancro.
Aí, estarei livre de ti, pátria de vermes.
Quero de ti apenas esta honra:
expulsa-me de ti, oh! cadela vil!
e estarei livre de ti, prostituta Brasil!

Cáceres, 16 de novembro de 1998.
98

O SUBVERSIVO No 1

Sem saudades nem ressentimentos;
sem dor, sem alegria;
também sem sofrimento
mas sem euforia
vem-me à reminiscência:
já fui bem mais importante!

– Número de guerra?
– 690 (meia – noventa).
– Prontuário?
– 00583475-29.
– Inscrição na Previdência?
– 93410635.
– Carteira de trabalho?
– 00000001; série 0002.
– CIC?
– 098.482.664-53.
– RG?
– 264.341...

De tantos números, restou-me apenas
o prontuário da ficha policial
por subversão:
Elemento nocivo à “ordem nacional”!!!!!!!!!!!!!!!!!!
(e por que não?!?!?!?!?!?).
99

E fico feliz – felicíssimo, aliás! –
não sou um mero registro no cadastro
dos contribuintes:
não contribuo com a corrupção;
não contribuo com a miséria;
não contribuo com a exploração...
não contribuo com esses canalhocratas,
ladrões e parasitos da nação:
EU SOU O SUBVERSIVO NÚMERO UM!!!!!!!!!
100

O DESPATRIADO

Roma é demais velha – velhena até –
tão velha que pode até morrer.
Lembra-me césares déspotas e tiranos,
imperadores desumanos,
centuriões romanos...
Ah! prefiro esquecer!

Paris...
Me deprime, me faz infeliz.
Lembra-me uma meretriz:
sedutora, bela, formosa, cheirando a rosa...
metropolitana prosa
em seus cafés tradicionais...
Porém, Paris não mais:
os estrangeiros já são discriminados aí!

Londres,
com seus velhos bondes,
seus transeuntes aristocratas
(fantasiados de nobres, sires e condes)
é demais nauseabunda,
majestosamente imunda...
Traz-me à mente os Beatles:
“O povo pode aplaudir;
o restante, chacoalhe as jóias.”
101

Lisboa
(nem Lis nem boa)
boemia à-toa...
Cabrálicas aventuras
em suas vielas escuras,
fantasmas de traficantes de negros africanos
perseguem-me com látegos nas mãos.
Navegantes miliquinhentistas vãos
foram colonizar aborígines
rompendo dos nativos seus laços e origens.
Definitivamente Lisboa não!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

La Paz jamais!
Nem Bolívar nem paz
pois lá a Justiça jaz
coberta de branco pó.
Sua altitude me apavora
e com seus habitantes mora
um pesado ar de mafiosidade
e para seus nativos não há
Justiça nem Liberdade.

Moscou...
(claro que o sonho não acabou!)
mas congelaram no gelo siberiano para amanhãs
esperanças e afãs
de um mundo melhor.
Diminuíram a chama da ИСКРА – eterna faísca,
cujo fogo não acabou.
102

Berlim! Berlim!
que muro te conterá, por fim?!
Enfim!
Não conterás a mim
quando eu – entre negros e comunistas –
fazendo um eco a Marx e Brecht
reerguer a bandeira
dos grandes idealistas.
103

FILHOS DA PÁTRIA
OS DESERDADOS

Nome: F A G;
idade: seis anos;
profissão: quebrador de pedras.
Se tiveres a felicidade de ser alfabetizado,
irás aprender escrever flores?!
Carinho, Justiça, Liberdade, amores?!...

Nome: D B S;
idade: doze anos;
profissão: prostituta.
Se tiveres a felicidade de constituir um lar
irás à tua prole ensinar
dignidade, honrosa labuta,
Justiça, igualdade, compreensão?!...

Nome: S P S;
idade: onze anos;
profissão: catador de lixo.
Comendo do luxo esperdiçado pela burguesia,
disputando com tapuru ou outro bicho
serás capaz de ter fome de JUSTIÇA?!...
104

Nome: L N A;
idade: nove anos;
profissão: trombadinha.
Se tiveres a oportunidade de investir
(na outra bolsa
de valores capitalistas)
irás ter em vistas
a fraternidade para com teus irmãos de rua?
Ou, como todo capitalista,
irás simplesmente ficar na tua?!...

Nome: S F G;
idade: sessenta anos;
profissão: mendigo.
Não tiveste vida – roeram-te até os ossos;
não tiveste a oportunidade do berço de ouro
(hereditário!)
por isto deixarás aos cães de rua
teu raquítico cadáver para o inventário!

Nome: F C S;
idade: setenta e seis anos;
profissão: aposentado.
Foste explorado a vida inteira
e agora, na fila da Previdência,
morrerás sem clemência, sem assistência
e – talvez! – tua família herde tua caveira.
105

CANALHOCRATAS
E OUTROS VERMES

Contei nos dedos das mãos
os homens de verdade
que conheci em toda a minha existência
e sobraram-me dedos
para apontar para o resto
(não mais que resto!)
e gritar enojado:
– Canalhas e traidores!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
106

INTOLERÁVEIS CÍNICOS

Bendito benzodiazepínico:
somente tu me fazes
tolerar este mundo cínico!!!!!!!!!!!

Jacobina, 21 de outubro de 2002,
segunda-feira, 23:34...
107

DESENCARGO...

Tenho o dever moral de ver com otimismo
o futuro das mulheres (de todas as mulheres!)
mas principalmente das prostitutas,
das vaidosas, das incultas,
das adúlteras, das mentirosas,
das traidoras, das vadias...

Jacobina, 24 de novembro de 2002, domingo.
108

UM PROSTÍBULO CHAMADO BRASIL

Neste bordel imenso
neste prostíbulo voraz
cada vez que eu penso
sou passado para trás...

Neste antro de perdição
onde qualquer vaca-dama
a preço de promoção
só pensa em dinheiro e cama...

Nesta prostituição geral
honra é objeto de aluguel;
não há noção de bem e mal
e dignidade é coisa de pinel.

Neste prostíbulo imundo
de corruptos, lacaios, prostitutos...
sinto um asco profundo
por esse lamaçal de incultos.

Neste pântano de miseráveis
onde só o ladrão prospera,
entre seres abomináveis
vejo que dignidade já era.

Neste imenso bordel
vacas-damas prostibulares
erguem as mãos para o céu
e dão graças pelos colares.
109

Neste imenso bordel
a que chamam Brasil
crendo irem para um céu
vão todos à puta que pariu!
110

SE OS RELIGIOSOS...

Se os religiosos
(todos: católicos, protestantes, budistas, judeus...
todos que professam uma crença)
amassem seus semelhantes;
se os religiosos – todos! –
não odiassem e não perseguissem;
se os religiosos – todos! –
não inquirissem e julgassem
(fossem ao menos tolerantes);
se os religiosos – todos! –
não tivessem um deus carrasco e vingativo;
se os religiosos – todos! –
não matassem, não roubassem, não mentissem...
se os religiosos – todos! –
fossem altruístas, humanistas, justos;
se os religiosos – todos! –
fossem bons, “por serem feitos à imagem
e semelhança de deus, que assim os criou”;
se os religiosos – todos! –
não me perseguissem porque sou ateu,
possivelmente eu não seria tão convicto
em meu ateísmo;
no agnosticismo meu.

(Uma católica não me aluga uma casa, em Cáceres, Mato Grosso, pelo fato de ser eu um ateu).

Cáceres, 17 de novembro de 1998,
terça-feira, 19:38...
111

DÚBIAS

O que ao homem contém?
O medo que ele tem?

O que ao homem exulta?
O idealismo? A coragem? A insulta?

Quando a vida se inicia?
Quando se cria ou quando se procria?

Quando a vida se encerra?
Quando se volta às entranhas da terra?

Para que construir uma amizade?
Para ser destruída mais tarde?

O que são as meretrizes?
As mulheres felizes ou as infelizes?

Para que serve a pessoa honesta?
Para sofrer os golpes de quem não presta?

O que, afinal, é a vida?!
Fugaz existência inexoravelmente a ser esquecida?
112

IUS

Por mim, tudo seria belo:
do chapéu ao chinelo; da flor ao cutelo;
do prego ao martelo...
Por mim, todos seriam felizes:
das madamas às meretrizes...
Por mim, todos seriam livres e independentes:
dos patrões aos indigentes
(porque não haveria nem patrão nem indigente!).
113

ESPELHOS DE CALEIDOSCÓPIO

Eis-me diante de um homem de rosto geográfico:
desenham-se em sua face rios, lagos, cascatas,
montes, picos (vejo o Evereste imponente!),
matas, (até entrevejo os ianques invadindo
a vulnerável Amazônia à cata de diamantes, nióbio,
urânio, tungstênio, bauxita, scheelita, cassiterita,
columbita, amazonita... de ouro a mais pesada pepita
(e quem há de resistir?! – não às tentações
dos minérios, mas aos gringos impérios!)

Eis-me diante de um homem de rosto geográfico:
desenham-se em sua face oceanos, mares, favelas,
lares, montanhas, crateras...
E me pergunto: são as marcas dos anos? Das eras?!
São as esculturas do diário labor? Do amargo suor?!
Ou são as expressões típicas das feras?!

Eis-me diante de um homem de rosto geográfico:
desenham-se em sua face continentes,
raças – gentes! –,
praças, diques, açudes (expressões rudes!),
trincheiras... trincheiras... trincheiras...
trincheiras e mais trincheiras!!!...
(é o sinal da imprescindível e impostergável resistência?!).
Que seja!
Mais vale um velho rebelde que um jovem sem consciência.
114

Mais vale um velho rebelde nas trincheiras da vida,
na luta insanamente utópica, aguerrida; lutando,
matando ou morrendo (matando ou morrendo!) por um ideal
– um sonho –
do que um jovem sem perspectiva de vida.
Massificado, cocacolizado, americanalhado,
globalizado pela miséria neoliberalista...
Pois não há fato que não tenha sido
um sonho um dia – para muitos, impossível!
Porém, triunfante como um rio em fúria...

Eis-me diante de um homem de rosto geográfico:
desenham-se as grisálidas capilares
como calotas polares;
as embaciadas imagens pela precoce cegueira
supõem-se visões através de poluídos ares
ou entrevisões em agostianas poeiras.
Mas tudo se traduz em um só verbo: RESISTIR.
– Pelo passado, pelo presente ou pelo porvir?
– Por tudo e por todos! Até mesmo por mim e por ti.
Eis o mistério: resistir e se preciso PERSISTIR!

Diante de um homem de rosto geográfico vejo-me
continentes – raças, gentes
dique e açude – doce e rude
oceano e mar – mais um popular
trincheira – porta-bandeira
selva e montanha – rebeldia tamanha
rios e lagos – ímpetos e afagos
picos – o equilíbrio da razão e dos sentidos
montes e cascatas – só de amor me matas.

Cáceres, 29 de agosto de 1999, domingo,10:00 h...
115

ÁGUAS...

A água
lava o chão
lava a mão
lava o rosto
lava o desgosto

A água
lava a mágoa
lava a lavra
lava a lava
lava a larva

A água
lava
leva
livra
louva
luta...

Eu, porém, não lavo as mãos:
LUTO!!!
116

HAY QUE ENDURECER...

Hay que endurecer essa ternura tão piegas
Hay que enternecer essa dureza tão desumana
Hay que se desapropriar de Las Vegas
O que foi subtraído indevidamente de Havana.

Hay que endurecer essa ternura sentimentalóide
Hay que enternecer essa dureza injusta e cruel
Hay que extinguir com o politicóide
para a ascensão do altruísta fiel.

Hay que endurecer essa ternura servil?
Hay que enternecer essa dureza opressora?
Hay é que se banir do mundo (também do Brasil!)
toda relação serviçal e exploradora.

Hay que endurecer essa ternura
Hay que enternecer essa dureza
Hay que humanizar essa bravura
Hay que socializar toda riqueza.

Hay que enternecer...
Pero, sem perder a dureza jamais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
117

POEMA PARA UMA CHICA CUBANA

Tu não podes comprar uma bicicleta
(conforme me dizes em tua carta).
Eu, porém, posso comprar algumas dezenas
de carros – pra ser modesto –
mas não tenho liberdade para usá-los.

Tu não podes comprar uma câmara fotográfica
para fotografar teus coleguinhas de escola.
Eu, porém, posso comprá-las aos milhares.
Mas para que, se meus amigos estão mortos
ou enjaulados pela ditadura burguesa?!?!?!

Tu não podes comprar um par de sapatos
para caminhar livre pelas ruas livres de tua pátria livre
e eu, porém, posso comprar fábricas de sapatos,
mas eu teria de explorar meu semelhante,
ser assaltado e seqüestrado
pelas vítimas do capitalismo...

Tu não podes comprar uma bicicleta para ir à escola
(conforme me dizes em tua carta).
Eu, porém, moro em um país
onde milhões de crianças morrem de fome nas ruas,
e outros milhões
(os sobreviventes da exploração)
não têm escola aonde ir!
118

Tu não podes comprar uma câmara fotográfica
para fotografar teus coleguinhas de escola...
Eu, porém, moro em um país
onde só tenho pra fotografar bundas de prostitutas
exploradas pela burguesia
e crianças semimortas de fome
e abandonadas nas ruas.

Tu não podes comprar um par de sapatos
para pisá-los entre teus pés e o solo
de tua PÁTRIA LIVRE.
Eu, porém, posso ter os sapatos que quiser
mas não tenho um solo-pátrio onde pisar,
pois este é o país onde
“os que roubam a nação sobem ao trono”.

Tu não podes comprar uma bicicleta,
uma câmara fotográfica, um par de sapatos...
Eu posso comprá-los aos milhares,
porém, para que, chica?
Somos todos vítimas do imperialismo ianque...
O capitalismo faz mal
até mesmo onde ele não existe!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Para uma niña cubana:
YUDEISI GUVÍAN JÚSTIZ.

O problema econômico em Cuba é a prova incontestável de que o capitalismo faz mal até mesmo onde ele não existe.
Os ianques são assassinos! Pior: são genocidas!!!!!!!!!
119

JURUNA FAZ PIPI
ONDE HOMEM BRANCO FAZ COCÔ

Vinha eu por estas bandas
das Chapadas Diamantinas
(mais precisamente por essas estradas
secas e empoeiradas por aí,
entre Mirangaba e Jacobina),
quando um camponês me falou:
– A mulé diche qui ouviu no raidhu
(por falta de tv!)
qui onthi morreu um indhu qui já foi deputado!
e, espantado, o camponês me indagou:
– É verdade qui um indhu já foi deputado, doutô?!
(pra essa gente simples, todo urbanizado é “doutô”).

De há muito não vejo tv, não leio jornal,
e há mais não ouço rádio! e a notícia me chocou!
E vem-me à mente uma profusão de imagens...
Juruna, o índio deputado,
nos últimos anos da ditadura militar,
gravadorzinho debaixo do braço:
– Gravar conversa... homem branco não ter palavra!
Sabem?!...
não vou nem procurar pela veracidade da notícia!
Juruna anda por aí: claro que ele não morreu!
Onde homem branco fez (faz) cocô ele faz pipi!
120

E eu prefiro crer que Juruna foi o grande responsável
pelo fim da ditadura militar no Brasil:
ele desmoralizou os milicos
com o seu gravador-penico.
E agora deve andar por aí com o seu gravador
fazendo pipi onde homem branco faz cocô,
pois índio não morre:
volta para a mãe natureza!

Jacobina, BA., 25 de julho de 2002,
quinta-feira, 11:46...
121

RÉQUIEM PARA UM SUPÉRSTITE

O que devo ao companheiro morto?
As boas lembranças que jamais o deixarão morrer
(para mim)!
O que devo ao ex-camarada morto?
Comunhão de idéias de uma sociedade menos ruim!
O que devo ao irmão (por opção) morto?
Toda fraternidade... todo apoio, enfim!
O que devo ao amigo morto?
Esta minha orfandade de dor sem fim?!
Ou nada devo ao morto, pois o morto vive sim?!

O fato é que ao companheiro morto
(que jamais morrerá para mim)
eu devo a minha própria vida, sim!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Teófilo Otoni, MG., às 13:47 h, (infeliz e tristemente – como um órfão) fiquei sabendo, através do alemão Achim, na praça Tiradentes, esquina-lateral da av. Getúlio Vargas, no dia 15 de agosto (malditos agostos!) de 2002, uma quinta-feira, por ocasião da XIV FIPP (Feira Internacional de Pedras Preciosas), da trágica morte do irmão (por opção) HÉLIO MENDONÇA...
Mas não creio... prefiro não crer!...
A feira se acabou para mim!!!!!!!!...
122

CONCRETAS ABSTRAÇÕES
(AMOR E ÓDIO – AH! QUE ÓDIO!)

O amor... Ah! o amor!...
O amor é abstrato...
Entretanto eu posso escrevê-lo com letras de sangue,
de suor, de concreto, de chumbo, de aço...
Mas o que carrego cá dentro, será sempre abstrato!

O ódio... ah! que ódio!!!
O ódio é abstrato...
Entretanto eu posso escrevê-lo com lágrimas,
com sangue, com concreto, com aço...
Mas o que tenho cá dentro, será sempre abstrato!

O amor e o ódio...
Abstrações que devoram; que construem e destruem.
Mas o que carrego cá dentro
(bem nas entranhas!)
– amor e ódio –
são tão concretos como lanças e punhais.
(E como vomitar lanças e punhais?!).

Amor e ódio!...
cá dentro – bem nas entranhas! –
são tão concretos quanto abstratos...
Fazem felizes e infelizes;
guerra e paz (em qualquer ordem).
Ah! concretas abstrações
geradoras dos meus acertos e deslizes.

Jacobina, 18 de novembro de 2002,
segunda-feira, 14:07...
123

HOJE, EU REESCREVERIA...

... a Canção da Agonia da Noite
e em Dó Maior eu haveria de musicá-la
ao ritmo milenar de tambores.

Hoje, eu reescreveria a
Canção da Agonia da Noite
e ao som melancólico do vento noturno
eu haveria de cantá-la como um canto fúnebre.

Hoje, eu reescreveria a
Canção da Agonia
da noite
do dia
da tristeza
da melancolia
da vida
da morte...
Eu reescreveria
A Canção da Agonia da Noite
com as notas mais tristes e a mais elegíaca melodia.

Hoje, eu reescreveria a
Canção da Agonia da Noite
e com os acordes mais tristes
e a última nota decrescente em um oitavo
eu prolongaria a noite por mais um dia.

Hoje, eu reescreveria a Canção da Agonia da Noite
e por mais uma noite – prolongada por mais um dia –,
eu haveria de cantar com todos os agonizantes
num coro uníssono e magoado
de todos os agonizantes da noite.
124

Hoje, eu reescreveria a
Canção da Agonia da Noite.
A canção dos bêbedos, das prostitutas, dos enfermos,
dos órfãos, dos abandonados, dos sós,
dos desamparados, dos desabrigados, dos desvalidos...
E, como um protesto noturno, sui generis,
todos os agonizantes da noite cantaríamos A Canção
sem agonia!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

05 de junho de 1988...
125

DILACERADAMENTE

Se os meus olhos te incomodam, fura-os!
Assim te amarei: cegamente!
Se o meu amor te incomoda, odeia-me!
Pois mesmo assim te amarei: loucamente!

Se o nosso encontro te incomoda, esconde-te!
Assim te amarei: perdidamente!
Se crês o meu amor pequeno, pede-me mais!
Assim te amarei: infinitamente!

Se te parece cedo o meu amor, repudia-me!
Mas te amarei assim mesmo: eternamente!
Se o meu coração te incomoda, parte-o!

Assim te amarei: dilaceradamente!
Se o meu amor não te agrada, mata-me!
Pois morrerei assim mesmo: apaixonadamente!
126

DILACERADAMENTE

Si te molestan mis ojos, agujeréalos.
Así te amaré: ciegamente.
Si te molesta mi amor, ódiame.
Pues mismo así te amaré: locamente.

Si te molesta nuestro encuentro, escondite.
Así te amaré: perdidamente.
Si crees pequeño mi amor, pídeme más.
Así te amaré: infinitamente.

Si crees que mi amor es temprano, repúdiame.
Pero, te amaré así mismo: eternamente.
Si te molesta mi corazón, pártelo.

Así te amaré: dilaceradamente.
Si no te agrada mi amor, mátame.
Pero, moriré así mismo: apasionadamente.
127

DILACERATEDLY

If my eyes annoy you, pierce them!
But I’ll be loving you, blindly!
If my love disturbs you, hate me!
Even so I’ll be loving you insanely!

If our coming together annoys you, hide your-self!
But I’ll be loving you desperately!
If you think my so small, ask me for more!
But I’ll be loving you infinitely!

If you think my love too early, repudiate me!
But I’ll be loving you eternally!
If my heart disturbs you, do tear it!

Thus I’ll be loving you laceratedly!
If my love displeases you, kill me!
Even so, I say, I’ll die passionately!
128

ENTRELINHAS

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

... ... ... ... ... ... não vou escrever ... ... ...
um dia eu não digo...
eu faço contigo...
nós vamos fazer...
129

PIRAMBÓIAS

Reiniciar o ato – fecundarmo-nos de amor –
reiniciar o ato quantas vezes preciso for
para aplacentar nossos sonhos e desejos
entre contínuos lampejos
de afagos e de prazer
e os dois como se fôssemos um único ser
fundirmos as nossas carnes
confundirmos nossos corpos, sussurros e gemidos
e como dois enlouquecidos
ignorarmos o que há além de nós.

Reiniciarmos o ato – já de amor fecundados –
e de desejos possuídos, de prazeres enlouquecidos
nos fecundarmos de amor e desejos;
seguirmos no ato e como insaciáveis prosseguirmos
ignorando meios, circunstâncias, preceitos, razões...
e ao ritmo dos nossos corações
embalarmos nossos corpos freneticamente...
e como se do corpo não fizesse parte a mente
atendermos apenas aos impulsos e instintos
e nos darmos como dois famintos.
130

LIVRE PARA O COMEÇO
OU: DONO DE NADA

Não era primavera
não, não era
não era inverno
com seu “gelo” quase eterno
não era verão
pelo sim, pelo não
outono também não era
eram “AS QUATRO ESTAÇÕES”
transformadas em canções
e fazendo da vida uma quimera.

Era quando? Quanto?...
Era nada e se fez quase
(e “quase é tudo para quem ama mais que muito”)
e hoje é tudo
mais que sempre – além de nós –
e a indiferença dos primeiros encontros – casuais –
não foi a impressão que ficou:
ficaste por inteira
“LIVRE PARA O FIM”
e eu ligado a ti desde o início
como se não fosse dono nem de mim.
131

CONJECTURAS

É que ainda agora, depois de tantas,
tu me espantas
com tuas decisões inseguras,
com tuas frases obscuras,
com teus gestos vagos, com teus meneios...
e assim, verdades parecem galanteios
e meus poemas, aglomerados de rimas pobres
que, escusamente, encobres
o sentido, o conteúdo;
e como se fosses a dona de tudo
me possuis à hora que te convém
e como um fiel fanático a tudo digo amém.

É que ainda agora, apesar de tudo,
com meia vida e tanto estudo
me limito às conjecturas
e mesmo não sendo nada inusitado
vivo de perspectivas novas
que, às vezes, aprovas; às vezes, desaprovas
e assim, me confundes, me estonteias
e, como se não me houvesse mais sangue nas veias,
nada mais me toca a sensibilidade
senão esta incontrolável vontade
de sermos felizes e mais nada.
132

EFEMERIDADES

Haverás de me reconhecer a razão
de que um cavalheiro para a dança
uma noitada de festança
um passeio, um banho, um sorvete
um papo casual, um flerte
te foram, são e sempre serão
verdadeiramente especiais.
Eu, porém, que diferença faz
um a menos ou a mais?!
133

DESENCANTO

E cantou a canção
como quem apenas canta uma canção
e a canção que ela cantou
ela apenas cantou:
“eu sei que vou te amar
em toda minha vida eu vou te amar
em cada ausência tua eu vou te amar
eu sei que vou te amar”...

E ela cantou a canção por cantar
– não amou.

22 de janeiro de 1995,
domingo, 19:20 h.
134

LIBERDADE e liberdade

Podes, agora, contemplar vitrines,
adorar televisão
(o bezerro de ouro do século XX);
podes, agora, assistir novelas na semana
e missas aos domingos
(teu deus te perdoará todos os teus pecados
e omissões!);
podes, agora, maquilar teu rosto,
usar o brinco, anelar o dedo
(os famélicos te compreenderão);
podes, agora, louvar o “humanismo” burguês,
a “justiça” capitalista,
a “democracia” de vocês...
(os explorados, os injustiçados
e os marginalizados nada te cobrarão);
podes, agora, ir a todas as festas sociais,
aos banquetes e aniversários
(não mais me afetarás
os meus ideais revolucionários!);
podes, agora, praticar a tua caridade cristã
(meu humanismo ateísta já não te patrulha mais);
podes, agora, brincar os teus carnavais
(foste sempre a foliona mascarada!);
podes, agora, bajular o teu patrão
e zelar pelo teu emprego
(afinal, consciência proletária não é mercadoria
e não se compra em supermercado);
podes, agora, “curtir” o teu som importado
(o rádio já não estará mais sintonizado
na Central de Moscou);
podes, agora, fazer o que a tua ânsia
135

burguesa determinar
(afinal, a liberdade de vocês é
a falta de responsabilidade para com os outros).
Eu, porém, continuarei escravo dos meus ideais
(lutarei até a última gota do meu sangue
ou até a VITÓRIA FINAL!)
Eis a minha LIBERDADE SEMPRE!!!!!!!!!!!!!!!!!

Guajará Mirim, 18 de novembro de 1985.
136

LIBERDADE e liberdade no II

Um dia
(e certamente chegará esse dia)
quando entenderes o verdadeiro sentido da vida
haverás de descobrir que em meu lugar
ficou um inexplicável vazio
um melancólico vazio
um intraduzível nada
que te dará a sensação
de que perdeste uma parte de ti mesma
num passado irrecuperavelmente passado.
Aí, tardiamente, irás compreender o meu valor.
E eu, já em outras terras,
estarei me povoando de outras pessoas,
de outra gente,
e sempre com a mesma sensação de
estar começando tudo outra vez.
E o nosso passado
(impreterivelmente passado)
haverá de te ensinar
o que é LIBERDADE e liberdade
o que é FESTA e festa
o que é FELICIDADE e felicidade.
E tu continuarás dançando (também) na vida;
e a mim, porém, restará
a LIBERDADE de dar o tom, empunhar a batuta
e marcar o compasso,
com melodia, harmonia e ritmo ao meu gosto.
E tu continuarás dançando
na vida também.
137

“Dancei o samba
Dancei a valsa
Dancei o forró
Mas agora só
Danço na vida.”
ELIANE...

138

SEDUÇÃO

Tua sensualidade me seduz,
principalmente tua boca escultural
e esses teus seios seminus
(como febris de desejos!)
e eu me traio sempre que te vejo
e te quero... e te quero... te beijo...

Como tudo que é proibido e impossível
EU TE QUERO!!!
E te quero mais ainda a cada vez que vejo
que te querer é impossível.
E quanto mais evito te querer mais te quero
porque esse teu corpo é simplesmente
IRRESISTÍVEL!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
139

ÍMPAR
(POEMA PARA ELI)

Há que se reverenciar uma pessoa
que reúne em si tantas qualidades;
e por mais simples que possas parecer
são evidentes as tuas beldades
difíceis de se encontrar em um mesmo ser!

São admiráveis e evidentes tuas virtudes
e tua singeleza as faz mais evidentes!
E essas evidências te fazem rara, incomum...
Teu sorriso deixa a todos contentes
e a mim, mais que a qualquer um!

És o quê? Não o sei, afinal!
Um misto de musa, menina, mulher...
És a essência de tudo que me é essencial.
Mas me pergunto: enfim, quem ela é?
Não sei... Sei apenas que não conheço igual!
140

ACRÓSTICO

Esperança de vida nova
Latente bem dentro de mim;
Indelével a toda prova
A me ligar a ti tanto assim:
Não é só amor que renova,
É um amor que não tem fim!

Sonho que agora se concretiza
Ou nunca mais haverá sonho!
Um sonho suave como brisa
Traduzido no que componho;
Onde o amor não se improvisa...

Amar-te-ei em toda minha vida...
Mesmo não sendo por ti amado
A mim vale te amar, querida!
Doar-me e viver ao teu lado
Até a última partida.
141

PORQUE TE QUERO

Não te quero com tempo marcado
como quem vai ao supermercado
e nem te quero de papel passado
como recibo de compra de gado;
porque eu amo, e quero é ser amado.

Não te quero por um momento
como se quer um passatempo.
Não te quero como a uma qualquer
nem apenas porque és mulher:
te quero porque me és especial
e é especial o que sinto por ti.

Não te quero com hora prevista
como quem vai ao dentista...
ou apenas do ponto de vista
de quem só tem olhos pra ti.
É que eu te amo e meu amor não é cego.
Apenas te amo – amo e não nego.
E te quero porque posso ver tuas virtudes.

Quero-te porque quero ser amado;
quero-te porque me és especial
e é especial o que sinto por ti.
Quero-te feito um condenado
a não mais viver sem ti ao meu lado.

(Em qualquer dia e qualquer lugar).
142

RÉQUIEM

Sem estardalhaço
sem queda-de-braço
sem drama e sem comédia
sem cena e sem tragédia
sepultemos o que seria o nosso amor
mas, por favor,
dá-me o prazer de ser eu o primeiro a dizer:
ACABOU!

Sem ressentimento
sem dor e sem lamento
sem malquerença
com tua licença
permite, agora, a mim,
já que de fato chegou ao fim
o que seria o nosso amor,
que eu – o perdedor –
como quem arquiva um atestado de óbito
arquive o que do factual restou!

08 de junho de 1995,
quarta-feira, 20:37 h.
143

QUE FALE MAIS ALTO O AMOR

Pelo sim, pelo não
pelo vinho, pelo pão
pela vida, pela ilusão
pelo ódio, pela paixão
pela vingança, pelo perdão
o que há de me dizer o teu coração?
(nada dir-me-á esse músculo substituível,
secundário – quase prescindível!).

Pois pela vida, pelo amor
pela felicidade, pelo fim da dor
pela amizade, por tudo de valor
(seja o que for!)
nem pelo sim, nem pelo não
mas pelo imperativo da razão
deixa que fale mais alto o amor
e por ti e por mim
abre mão de um sim
(e que o teu sim não seja a diplomacia do não!)
e que esse sim seja o grito incontido dos sentimentos
e a voz suprema da razão!

20 de outubro de 1995,
sexta, 22:22 h.
144

ETERNOS

Cada segundo é uma eternidade
e busco, a cada segundo,
eternizar a liberdade
que – não sendo eterna –
devo vivê-la intensamente
a cada segundo e, para tanto,
quero fazer de ti meu mundo
posto que a universalidade
dos teus sentimentos
nos faz mais livres e,
portanto,
MAIS ETERNOS.

27 de julho de 1993.
145

POEMA DO AMOR OPERÁRIO

Quis te fazer um carinho
com minhas mãos ásperas de lenhador;
quis te dar um abraço
com meus braços trêmulos de estivador;
quis te fazer um afago
com meus dedos tímidos de tecelão;
quis te confidenciar o meu amor
com minha voz embargada de bronco peão;
quis te devorar
com a avidez de todos os famintos;
quis, enfim, apenas te querer
com todas as minhas razões e instintos!
146

O VISIONÁRIO E A ESTRELA

Miro ao longe
piscando frágil
uma estrela
e quero tê-la
(qual um visionário)
brilhando forte
na palma da minha mão!

Por entre milhares,
milhões, sextilhões...
de outras estrelas
(todas belas!)
a minha inacessível estrela
(a mais bela, por sinal)
se destaca forte
como não há igual.

E o incrível é que,
no seu ininterrupto piscar,
quando ela se apaga
nunca penso que ela não mais vai acender
– só penso que ela vai acender
para nunca mais se apagar.

Contemplo frágil
piscando ao longe
uma estrela
e ao vê-la
(como todo visionário)
passo a brilhar também
refletindo o brilho
que a minha estrela tem.
147

POEMA DO AMOR GITANO

Saibas, AMIGA:
ainda que me ignores
e renegues todos os sentimentos...
ainda que o trivial
possa te parecer absurdo e inusitado...
há algo em mim que nem eu mesmo
posso esconder ou negar,
nem controlar a taquicardia
do coração em agonia
disparado em galope selvagem
na doidivanas viagem
das emoções incontidas.

Saibas, AMIGA:
ainda que eu te diga
mil vezes um não...
ainda que eu te negue
sextilhões de vezes um sim...
ainda que eu te renegue
e tente, inutilmente, te exilar de mim...
148

Saibas, AMIGA:
ainda que a própria vida se me negue
ou me seja negado o prazer da tua companhia...
ainda que dualizem o sentido de minha poesia...
ainda que todos sentimentos sejam profanados...
ainda que este amor escandalize
aos bem-comportados...
ainda que estes sentimentos
em mim silenciados
venham a implodir e não possas ver...
ainda que eu siga minhas aventuras
mundo afora qual gitano...
qual um gitano quero sempre te amar!
149

VIVENDO DE SAUDADES

Porque te escrever dizendo estou com saudades
traz-me a longínqua reminiscência do colegial
(melhor aluno do clássico!
dominava perfeitamente o Latim
– imprescindível aos pretendentes ao bacharelado
de Direito – mas, infelizmente, língua morta)...
Porém, facilitou-me a compreensão da língua-pátria
e da Justiça: “Ubi societas ibi Ius”
“Onde há sociedade, aí deve haver um Direito”...
Então, tenho buscado (para todos!) a JUSTIÇA
mas sinto-me como se falasse em Latim
(essa inseparável língua morta)
e tenho a mesma desagradável sensação de, agora,
também falar em Latim:
ESTOU MORRENDO DE SAUDADES DE TI!
Queres tradução?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?

Porque te dizer sou feliz, pois existes
e – estás em algum lugar –
ainda que não te ausentes de mim um só instante;
ainda que sejas cargas
e descargas dos meus neurônios...
Existes! E que importa fazendo o que e onde
se existes em mim e assim eu sou feliz?!?!?!?!
150

Porque te escrever dizendo
(pela sextilésima vez!)
TE ADORO!...
onde eu estiver serás meu último alento
único – talvez – alento...
Porque te escrever em Grego ou Latim
falando de mim
(na linguagem da razão ou do coração)
eu serei apenas repetitivo...
Direi o óbvio, o não ob-rogável:
estou vivendo das saudades de ti!
Enquanto me restar a consciência de tua existência
existirá a irrefutável prova de que estou vivo
e feliz, por fim!!!

Porque te escrever um monossílabo que seja
(em qualquer língua, em qualquer dialeto;
em língua morta ou no Português predileto)
é transcender o óbvio – é ser repetitivo – e não mais!
Portanto, só mais uma vez:
ESTOU VIVENDO DAS SAUDADES DE TI!!!!!!
E tu, como estás???????????????????????

Cáceres, 19 de setembro de 1998,
sábado, 23:58 h.
151

BÁLSAMO

Rever-te mesmo que seja por um segundo
(num lapso fugaz de um momento)
aliviar-me-ia de todo fardo do mundo
que me corrói e comprime por dentro.

Rever-te mesmo que seja por um minuto
(num descuido único do tempo)
far-me-ia o viver menos bruto
e a vida afável como o vento.

Rever-te – mesmo que seja por “cinco minutos” –
(num cochilo da lógica e da razão)
seria bradar o mais atrevido dos insultos
a todas circunstâncias que só me dizem “não”.

Rever-te... além da bioquímica dos neurônios
(num lapso abrupto do mero não-poder)
seria fazer do sim e do não sinônimos
e de minha vontade o “querer é poder”.

Rever-te... mesmo que por um segundo
(num breve lapso dos limites e da impossibilidade)
dar-me-ia toda felicidade do mundo
e aí eu seria livre de verdade.

Rever-te em todo e qualquer tempo
(num sublime consentir-se do universo)
faria da felicidade mero contratempo e inoportuno,
inútil – prescindível mesmo! – qualquer verso!!!
152

OS BÊBEDOS DE AMOR E OS POETAS

Ninguém te ouviu na primavera
e veio o verão, e no verão não havia flores;
ninguém te ouviu no verão
e veio o outono, e no outono não havia chuva;
ninguém te ouviu no outono
e veio o inverno, e no inverno não havia colheita;
ninguém te ouviu no inverno
e veio a primavera, e na primavera não havia mais flores...

Não mais havia flores!...
Nem na primavera – nem mesmo na primavera!

No outono não houve chuva para se plantar e colher!
No inverno não houve colheita porque não se plantou;
no verão não houve calor humano para nos arder;
na primavera não houve flores porque não se amou!

Ninguém te ouviu!...
Nem na primavera – nem mesmo na primavera!
(Quem há de ouvir os bêbedos de amor e os poetas?!
– que, aliás, são tão semelhantes).

Não mais havia poesia!...
Nem na primavera; nem mesmo nos poetas!
Nem mesmo nos amantes;
nem mesmo nos embrutecidos de paixão!
Nem mesmo nos enlouquecidos de amor!!!!!!
153

Ninguém te ouviu...
Não que não tenhas gritado, claro! e até te exauriste!
É que ninguém te ouviu... só isso...
Os poetas falam para o porvir.
É que ninguém te ouviu... só isso...
É que ninguém te... só isso...
É que ninguém... só isso...
É que ninguém... só...
É... só...

Cuiabá, 11 de janeiro de 2003,
sábado...
154

COMPORTAS

Este amor está perdendo o encanto, a magia;
está ficando algo comum – incapaz de loucuras!
Não mais é impulsivo; não se impõe...
E se é assim não é mais amor.
Amor assim desencanto é,
(ou desencontro?).

“Amor” que se comporta
que não arrebenta porta
seja como for
pode ser tudo – menos amor!

P. S.: O amor se acaba gotejando.

Goiânia, 03 de maio de 2003,
sábado, 12:18...
155

...PORQUE O SILÊNCIO DIZ MAIS

Guardei tuas fotografias
como se arquiva um atestado de óbito...
e com a certeza de que amarelarão...
(estou pensando em guardá-las
junto do atestado de óbito da Sônia):
onde mais haverei de sepultar este amor?

Não ouvi sinos; não ouvi trombetas;
não ouvi órfãos; não ouvi queixumes;
não ouvi coros fúnebres; não ouvi...
ainda que tudo anuncie um funeral.

Mas ouvi o silêncio que me diz que tudo morreu:
bem que eu não queria te ouvir antes!...

Israelândia, 29 de abril de 2003,
terça, 8:32...
156

TALVEZ

A impressão que me resta é que, antes, cheguei tarde
e que, quando voltei,
tentando mais uma vez nossa união,
mais tarde, cheguei demasiado cedo.

E, de tudo que me restou, uma conclusão:
o meu tempo se chama sonho
admito: impossível, talvez.

Aragarças, 30 de abril de 2003, quarta...
157

COMO UM AÇOITE

– Bom dia! – disse-me a alegria.
– Boa tarde! – disse-me a felicidade.
– Boa noite! – disse-me a tristeza, como um açoite.

– Bom dia! – disse-me a euforia.
– Boa tarde! – disse-me a saudade.
– Boa noite! – disse-me a tristeza, como um açoite.

– Bom dia! – disse-me a nostalgia.
– Boa tarde! – disse-me a infelicidade.
– Boa noite! – disse-me a tristeza, como um açoite.

E quando acordei, já era tarde demais: tu partiste.

Mas:

Há sonho de se sonhar
há sonho de se viver
o que de fato não há
é sonho sem você.

E quando despertei, vi que era pesadelo:
tu já não estavas.

30 de janeiro de 2003.
158

DIVORCIADO

Agora, sim...
Chegou a hora, enfim!
e eu nem sei se devemos nos despedir ou nos despir.
Tudo faz parecer que já nos dissemos adeus antes
e que agora nos resta apenas comemorar.
Antes do último adeus, só mais uma vez...
– sentirei tua falta na cama; quanto ao demais...
freqüentarei supermercados e restaurantes
como eu já deveria ter feito bem antes.

Agora, adeus!
159

QUEIXAS DE UM LIBERAL
OU
O HOMEM MODERNO

Se eu não pago as tuas contas
se eu não seguro as tuas pontas
me diz: pra que que sirvo eu?

Se eu não pago o supermercado
se eu não te aceito com outro namorado
me diz: pra que que sirvo eu?

Se eu não aceito tuas esfarrapadas desculpas
se eu não perdôo tuas repetidas culpas
me diz: pra que que sirvo eu?

Se eu não me arrasto aos teus pés
se eu não compro os teus caros anéis
me diz: pra que que sirvo eu?

Se eu não ignoro os teus defeitos
se eu não elogio os teus siliconados peitos
me diz: pra que que sirvo eu?

Se eu não ouço os teus queixumes
se não me comovem tuas falsas crises de ciúmes
me diz: pra que que sirvo eu?

Se eu não te “dou toda liberdade”
se não me faz bem toda tua falsidade
me diz: pra que que sirvo eu?
160

Se eu não finjo que tudo vai bem
se a tudo que dizes eu não digo amém
me diz: pra que que sirvo eu?

Israelândia, 02 de abril de 2003,
quarta, 15:30...
161

ACORDES

Agora, pronto!
Soaram as cordas feridas. Os acordes são.
A nota, o som... de preferência em sustenido:
não aquela coisa de agredir ao ouvido,
mas de aniquilar a dor.

Três notas são: Sol, Lá, Dó.
Prontas, atingidas, vibradas... Três notas são!
Ao ritmo dos corpos são. Ritmando corpos.
Prontas!...

Pronto!

Jacobina, 11 de maio de 2003, domingo...
162

DÚBIO SONHO VORAZ

Busquei em meus sonhos o teu corpo
e no teu corpo eu busquei o prazer.
Busquei no teu corpo os meus sonhos
e nos meus sonhos havia um louco querer.

Busquei em teu corpo as formas várias do amor
e nas várias formas do amor eu encontrei o teu corpo
sedento do meu corpo e de sexo...
E o teu corpo sedento quase me deixa louco.

Nos meus sonhos eu te buscava e tudo era possível
e nas possibilidades dos meus sonhos eu te amava
sem conhecer formas, sem entender dimensões,
sem aceitar o tempo, sem admitir condições.

Eu te busquei na fantasia dos meus sonhos
e tu povoaste os meus sonhos de fantasias.
Eu habitei o teu corpo por inteiro
e o meu corpo se habituava ao teu, cada dia.

Onde estavas, então, mulher dos meus sonhos?
Onde estavas?! Agora mesmo, onde estás?
Pois meus sonhos são terríveis pesadelos
e eu te buscando mais, e mais, e mais!...

Busquei o teu corpo em meus sonhos
(em meus sonhos de desespero e agonia)
e tu não estavas! E o teu corpo não estava!
E eu o buscava dia após dia.
163

Agora mesmo onde estás, mulher dos meus sonhos?
Será que só em meus sonhos tu estás?
Busco-te como te busquei, então,
e o teu corpo é um dúbio sonho voraz.

Busquei em meus sonhos o teu corpo
e o teu corpo era dúbio e fugidio.
E o teu corpo me fugia por entre os dedos
como me foge a água do rio.

Vilhena, 29 de março de 1988.
Para...
164

ENQUADRANDO

Vivendo de escolher
entre o “mal e o menos ruim”,
meu bem, eu quero te dizer:
entre mim e ti, eu prefiro a mim.

Israelândia, 24 de janeiro de 2003.


EPIGRAMA

Se fores ao “inferno”, não te esqueças de mim;
se fores ao “céu”, não te esqueças de mim;
se te detiveres pelo “purgatório”, não te esqueças de mim.
Aonde quer que vás, não te esqueças de mim.
Se me esqueceres, é que nada mais há: é o fim!

Israelândia, 03/03/03, às 03:03,03!


BUSCAREI

Porei a lua na mochila
e sairei a passear pelas estrelas:
em algum lugar hei de encontrar o teu amor
que um dia eu perdi em um fosso qualquer
de minha vida...

Por ocasião de minha decisão de reencontrar Janete;
em Israelândia, 05 de abril de 2003,
um sábado, às nove horas da manhã...
O reencontro se deu em Jacobina, em
dezoito de abril de 2003, sexta, 6:52...
165

SUBLIME

O amor não se esvai
quando a gente diz: vai!
O amor não se desespera
quando a gente diz: espera!
166

CARNE-VIDA

Latejavas. Pulsavas. Vibravas. Brincavas. Corrias.
VIVIAS!
VIVI!
IAS...

Vibravas!
Brincavas!
Corrias...
Negra como a vida
(negra!... negra com todos os racismos;
negra como todos os racismos!)
no asfalto negro
num começo de noite negra
e te confundiste com teus pelos negros
nas garras negras do fim
(da rua sob negros pneumáticos).

Negra, te confundias nas minhas noites
(não menos negras),
e tua mão negra erguida na noite a me ensaiar tapinhas...
que agora, na tua ausência, me machucam
como tuas unhas que não mas deixaste cravadas na carne.
Como a impotência de nada poder fazer
quando é preciso fazer tudo!

... E eis que no descuido de uma fração de segundo...
vejo teus irmãozinhos brincarem contigo
destroçada no chão, pensando eles que ainda brincavas...
que ainda vibravas...
Em meus pés!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Senti-me mais inútil do que os deuses...
167

Eu e teus irmãos te velamos à noite
incrédulos da vida – incrédulos da morte –
em uma sacola de lixo:
jamais duvidei que a vida não se resumisse a isto!
Jamais!!!
Mas eu precisava de um pouco mais de tua alegria.
Do teu zelo; de tua companhia...
Ao menos, um pouco mais...

Ainda que a dor seja só minha; a tristeza seja só minha;
a solidão seja só minha...
confesso que os destroços de guerra me doeram menos.
E quantos eu vi!? Oh, quantos!?

Latejavas! Pulsavas! Vibravas! Brincavas! Corrias!...
e eu... nem sei!
Morri um pouco sem ti
(morri um pouco contigo)

Iporá, 20 de outubro de 2003, segunda, 20:53...
168

PELAS FRESTAS

Amar-te pelas frestas
por entre os dedos
pelas fendas; pelas arestas
com teus sonhos e medos...
Amar-te...
uma arte.
169

NIÑA...

Niña tem na voz sedativos quando me fala
(melhor direi: quando sussurra)
e me pronuncia monossílabos
(e às vezes dissílabos)
entre reticências e risadinhas quase pueris...
e enrubesce quando eu lhe falo algumas “indecências”
(como ela me diz!).

Niña é só pureza e é tão desprovida de malícia
que meu ateísmo arrefece; titubeia:
não será Niña uma santa?
(Mas se houvesse santa, Niña seria santa e meia).

Niña tem mãos delicadas, suaves, pequeninas...
e, sem serem irrequietas, não param de me acariciar...
Tem ancas largas e seios rígidos
(mas no mais não parece já mulher;
mas Niña é mãe e se entrega à prole como uma devota).
E ainda consegue arrebatar da “senhora das suas horas”
alguns inesquecíveis minutos para mim!

Niña tem lábios carnudos e hálito perfumado
e uma saliva que me incita ao coito.
Niña tem veludo na brônzea pele que,
quando se deita ao meu lado,
me remoça aos dezoito...

Niña é órfã de pai, mãe e pátria
e eu devo adotá-la...

G. Merim, 20 de novembro de 2004, sábado...

Para: ENA HUMAZA MOLINA.
(Nasceu na Bolívia e, despatriada, é cidadã do mundo e de mim).
170

AOS INCAUTOS

Se alguém incauto me inquirir sobre meus sentimentos,
inadvertidamente e sem indiscrição
quiser saber se já amei alguém em minha vida,
não hei de responder nem sim nem não;
mas como se fosse acometido de súbita amnesia
esquecerei todos os termos; todos os vernáculos e idiomas
e direi apenas (sem fantasia):
ELIANE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
171

... PELA DOR ANUNCIADA

Não, amiga!
Não te culparia por nada.
Quero até te agradecer pela desilusão
(pelo teu definitivo “não”)
e pela dor anunciada.

... Pela dor anunciada!...

Não, amiga!
Não te cobraria mais nada.
Quero até te oferecer
(em holocausto que não requer sacrifício)
todo o meu íntimo ofício
de por amor sofrer.

Sim, amiga!
Quero apenas um último registro
como epígrafe para esse amor fugaz:
que do teu “sentimento” sinistro
eu não me alimentarei nunca mais,
ainda que esta dor seja só minha!

Portanto, vai, amiga. Segue em paz.

Guajará Mirim, 13 de julho de 2004,
terça, 17:20...
172

CICATRIZES

Expus minhas entranhas; sangrei minhas feridas
(minhas novas e velhas feridas!).
Dilacerei minhas vísceras;
desarrumei o nosso leito;
reabri minhas cicatrizes...

... e minhas cicatrizes me falam de ti
e eu te vejo onde não mais estás.
Minhas cicatrizes me falam de ti
e eu te ouço ainda que tu não estejas...
Estas cicatrizes clamam por ti
e eu – diante de tua ausência –
apenas me calo... o silêncio, talvez,
dos humilhados; dos ofendidos; dos derrotados
(ou esquecidos?)...

... e tu me pedes para que eu te esqueça!...
Tira-me, pois, apenas uma dúvida
para que não reste aos legistas e criminalistas
um titubeio no causa mortis:
seria isto homicídio ou suicídio?

Guajará Mirim, 29 de maio de 2004,
sábado, 21:20...
173

EXCLUSIVAMENTE TEU

Seria este o teu poema, o teu exclusivamente,
se eu pudesse escrevê-lo com cada gota do meu sangue;
se eu pudesse rasgar o peito e tirar de cá de dentro
todas as letras; todas as sílabas; todas as palavras e versos
com os quais eu haveria de compô-lo para ti, somente!

Seria este o teu poema, o teu exclusivamente,
se eu pudesse compô-lo com cada célula do meu corpo;
se eu pudesse fazê-lo pulsar ao ritmo do meu coração
quando bate descontroladamente por ti!

Seria este o teu poema, o teu exclusivamente,
se esta tinta com que o escrevo fosse o meu próprio sangue;
se tudo que ele dissesse fosse tudo que tenho a te dizer;
se ele não fosse um simples poema, mas o meu próprio ser!

Seria este o teu poema, o teu exclusivamente,
se a ele eu pudesse dar vida,
mesmo que essa vida fosse a minha própria vida!
Pois seria este o teu poema: exclusivamente teu!
Se tu me quisesses exclusivamente para ti!

Guajará Mirim, 24 de agosto de 1987... Segunda-feira...
174

ÍNDICE:
UM POEMA POR PREFÁCIO... 08
CONFISSÕES PRELIMINARES... 10
ETERNIDADE... 11
FEITOS PARA SER VIVIDOS... 12 a 13
QUERO MEUS VERSOS... 14 a 16
VERSOS E ALFORRIA... 17 a 18
O QUADRO QUE NUNCA PINTEI... 19 a 20
IDÉIAS OU SOLIDARIEDADE NÃO POLACA... 21 a 22
QUASE VENCIDO... 23
HIROSHIMAFRI (GENOCÍDIO)... 24 a 26
POR QUE NÃO VENCEMOS AINDA?... 27 a 28
O HOMEM E OS VERMES... 29 a 30
AFRI: ÁFRICA OUTRA VEZ... 31 a 32
PRETERIÇÕES POÉTICAS... 33 a 34
AS PASSAS... 35
GENTE... 36
QUANDO FORMOS HUMANOS... 37 a 38
ARAUCANA... 39
TAEDIUM VITAE... 40 a 41
FAZEDORES DE HISTÓRIA... 42 a 43
CARROSSÉIS E VENDAVAIS... 44 a 45
NON PLUS ULTRA... 46
PROFISSÃO DE FÉ y EL HOMBRE... 47
ODE À LIBERDADE... 48 a 49
VERBIS GRATIA (GRATIA DEI)... 50
POEMAÇÃO ou: POBRE VIDA – RIMA POBRE... 51
POST MORTEM... 52 a 53
ÁGUAS E MÁGOAS... 54 a 55
CONTESTANDO... 56
ONZE DE SETEMBRO (AS GÊMEAS)... 57 a 58
MODERNIDADE... 59
RETÓRICA... 60
SÚPLICA À LUSITANA ou SÁTIRA ATEÍSTA... 61
O ATEU E O “CRENTE”... 62
OS ABUTRES CHEGARAM DEPOIS (VOX VICTIMAE)... 63
IMPRENSA... 64
DESCULPA, TÁ?... 65
ÚLTIMA BATALHA ou A VITÓRIA FINAL... 66
COMODISMO... 67
JANETÉTICA... 68
ÀS FEMINISTAS... 69
PUDICAS... 70
MENOS UM... 71
CARDIOVASCULHAR... 72
“ENTRE O AMOR DE CRISTO E GUEVARA”... 73
POEMA FÚNEBRE PARA MACHEL... 74 a 75
ALÉM DASCERCAS... 76
VERMÉTICOS... 77
AMARGANA... 78
ANTROPOLÓGICA... 79 a 80
AVESSO... 81
ESTRANHO PAI... 82 a 83
UTOPIA PARA UMA CRIANÇA DE RUA... 84 a 85
SER E ESTAR... 86
TRIBUTO A CHICO DE LILI... 87 a 88
CONTRAPONTO AO ATAVISMO... 89
OS CRIADORES... 90
CONFLITOS... 91
BELO MONTE... 92
POEMA DA MULHER DE ESCARLATE... 93 a 94
O PÁRIA... 95 a 96
SEM PÁTRIA E SEM PATRÃO (NA CONTRAMÃO DA ORDEM SOCIAL).. 97 a 98
O SUBVERSIVO No 1... 99 a 100
O DESPATRIADO... 101 a 103
FILHOS DA PÁTRIA (OS DESERDADOS)... 104 a 105
CANALHOCRATAS E OUTROS VERMES... 106
INTOLERÁVEIS CÍNICOS... 107
DESENCARGO... 108
UM PROSTÍBULO CHAMADO BRASIL... 109 a 110
SE OS RELIGIOSOS... 111
DÚBIAS... 112
IUS... 113
ESPELHOS DE CALEIDOSCÓPIO... 114 a 115
ÁGUAS... 116
HAY QUE ENDURECER... 117
POEMA PARA UMA CHICA CUBANA... 118 a 119
JURUNA FAZ PIPI ONDE HOMEM BRANCO FAZ COCÔ... 120 a 121
RÉQUIEM PARA UM SUPÉRSTITE... 122
CONCRETAS ABSTRAÇÕES (AMOR E ÓDIO – AH! QUE ÓDIO!)... 123
HOJE, EU REESCREVERIA... 124 a 125
DILACERADAMENTE... 126
DILACERADAMENTE... 127
DILACERATEDLY... 128
ENTRELINHAS... 129
PIRAMBÓIAS... 130
LIVRE PARA O COMEÇO ou: DONO DE NADA... 131
CONJECTURAS... 132
EFEMERIDADES... 133
DESENCANTO... 134
LIBERDADE e liberdade... 135 a 136
LIBERDADE e liberdade No II... 137 a 138
SEDUÇÃO... 139
ÍMPAR (POEMA PARA ELI)... 140
ACRÓSTICO... 141
PORQUE TE QUERO... 142
RÉQUIEM... 143
QUE FALE MAIS ALTO O AMOR... 144
ETERNOS... 145
POEMA DO AMOR OPERÁRIO... 146
O VISIONÁRIO E A ESTRELA... 147
POEMA DO AMOR GITANO... 148 a 149
VIVENDO DE SAUDADES... 150 a 151
BÁLSAMO... 152
OS BÊBEDOS DE AMOR E OS POETAS... 153 a 154
COMPORTAS... 155
... PORQUE O SILÊNCIO DIZ MAIS... 156
TALVEZ... 157
COMO UM AÇOITE... 158
DIVORCIADO... 159
QUEIXAS DE UM LIBERAL ou O HOMEM MODERNO... 160 a 161
ACORDES... 162
DÚBIO SONHO VORAZ... 163 a 164
ENQUADRANDO, EPIGRAMA, BUSCAREI... 165
SUBLIME... 166
CARNE-VIDA... 167 a 168
PELAS FRESTAS... 169
NIÑA... 170
AOS INCAUTOS... 171
... PELA DOR ANUNCIADA... 172
CICATRIZES... 173
EXCLUSIVAMENTE TEU... 174

Os homens se superam
– na vida –
(é sobrevivência!)
Os homens se superam
– na lida –
(é ciência!)

Os homens se superam
– na guerra –
(é morte!)
Os homens se superam
– na paz –
(é esporte!)

Guajará Mirim, 23 de agosto de 2004,
segunda-feira, 15:36h.

Antenor.

AMÉRICA?!

– Amêééériiica?!?!?!?
Mas de que américa falais?
A dos que não vivem sem guerra
ou a dos que querem apenas paz?

Rhuuuum!!!
(pronuncia-se pelas narinas – com a boca fechada:
eu disse pelas narinas!)
américa das aves de rapina
(contra a América trucidada).

– Amêééériiica?!?!?!?
(Bananas pros lá de cima, nos seus traseiros pomposos)
a América é a nossa:
dos charqueanos; dos amazônicos; dos andinos;
dos não gulosos!

– Amêééériiica!?!?!?!
A AMÉRICA é nossa!
América do Gran Caimán; de Bolívar;
Violeta Parra y Mercedéz Sosa...
América-pátria, e não fossa!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

– Amêééériiica!!!!!!!!!!!!
Mas que América?
Não a latrina das Américas
mas a América Latina
LATINOAMERICANA SI, ¡PUCHI!
NOSSA!!!!!
... e aos ianques, uma... bem grossa.

Israelândia, 19 de março de 2005, sábado, 17:40h.

9 comentários:

Unknown disse...

Se tudo que dizes é "estar em ruiínas"... que será de nós que não somos capazes (ou corajosos), para expressar o que sentimos????
Quizera eu um dia poder colocar pra fora o que me mata por dentro.. Mas vomitar verdades desperta no mundo a ira do poder e eu pobre criança não serei capaz de conter-me diante de tais evidencias... assim, procuro dormir na covardia da mentalidade humana....
Quizera eu ser capaz.....

Daiane Ferreira MoA disse...

A vida sempre nos prega peças...
Cade a nois usufrur do melhor que ela nos da...

Seje sempre essa pessoa que es pois,
sempre contaras comigo...

Adoro vc... E sua poesias...

Bjs

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Unknown disse...

Vi que apagou o comentário que fiz. A verdade doi mesmo, mais é necessária.Não lhe faria só um comentário ou um elogio, pois sabe muito, muitíssimo bem que aprecio suas poesias, mesmo quando elas me maltratavam. mais você não retirou a frase que escreveu e falou que foi eu. Que retire pelo menos o desejo.

F. Antenor Gonsalves disse...

Eu me arrependo por ter deletado a tua agressão gratuita e expressão máxima de ingratidão. Teu comentário - ou desabafo, se é que tens o que desabafar - no meu blog fez-me lembrar um pensamento chinês: "A grande virtude das pequenas inteligências é discutir pessoas; a grande virtude das médias inteligências é discutir ocorrências; porém, a grande virtude das grandes inteligências é discutir ideias."!
E o propósito de tudo isto aqui é discutir ideias, e entendi aquilo tão pessoal; tão tipo "lavar roupa suja no meio da rua"... e o pior é que a roupa suja não era e não é minha, mas mesmo assim eu não deveria ter deletado...
A única ou a maior razão de minha vida é a verdade, e sabes muitíssimo bem o quão eu fui vítima de mentiras...
a verdade pode não está contigo...
Passei dois anos e trinta e quatro dias e dezesseis horas preso nos cárceres fétidos da burguesia graças a mentiras, moça. E melhor que ninguém tu sabes o que a VERDADE significa para mim.
Peço-te, pois:
Por favor, postes teu "comentário". O espaço é teu.

Kelma disse...

É uma satisfação encontrar espaços como este, onde o autor disponibiliza sua obra para nos engrandecer com a discussão de suas ideias.

F. ANTENOR GONSALVES disse...

Kelma! Sempre genial e gentil. Não por acaso que adorável. Obrigado. Beijos...

Darliane disse...

Sem dúvidas, Dilaceradamente é um dos meus preferidos! Chamou muito minha atenção desde que eu o li. Gosto muito!
Graças ao Antenor (ou Tio Antenor, como costumo chamar) eu aprendi muitas coisas quando ainda criança! Tenho muitas lembranças, ótimas, a princípio! Agradeço muito a ele por ter feito parte dessa tão importante fase da minha vida!
Obrigada, Tio Antenor!

Abraços!

F. ANTENOR GONSALVES disse...

Obrigado a você, querida sobrinha, e confesso orgulhoso pelo teu crescimento intelectual. Senti-me honrado por ter uma leitora à sua altura, lisongeado com o teu comentário e estimulado pelas tuas memórias.

Como podemos nós mesmos governar o mundo sem delegarmos poder a corruptos?

Translate